LUIZ LEITÃO, TANGERINI E NITERÓI
UM SONETO INÉDITO DE LILI LEITÃO
Texto de: Emmanuel de Macedo Soares
Não há, especialmente na velha guarda, quem não tivesse ouvido falar de Luiz Leitão, o Bacurinho, o notável humorista que transformou em versos alegres a tristeza da própria existência e asfixiado em álcool e hemoptise deixou-se morrer aos 46 anos, nesta invicta cidade que ainda lhe deve um preito de homenagem.
Quer nas rodas boêmias do velho Café Paris, ao lado de uma infinita galeria de mortos – Gomes Filho, Nestor Tangerini, Leopoldo Veron, Brasil dos Reis, Kleber de Sá Carvalho, Benjamim Costa, Bento Barbosa, Max de Vasconcelos, Apolo Martins, Lourenço Araújo – quer pela Ponte das Barcas, quer percorrendo as noites da Praia Grande em busca de saraus bem regados, Lili pode ter perdido a compostura, num ou outro excesso, mas nunca perdeu a verve. O anedotário niteroiense, se um dia for escrito, ocupará com ele uma centena de páginas. Aqui, os famosos “epitáfios”, em que a vítima costumeira era Benjamim Costa, poeta de menos porte; ali os sonetos horrivelmente apimentados das “Comidas Brabas”. Até para pedir dinheiro emprestado Lili versejava.
Parece-me, a mim, que nada entendendo de análises da psique, que nessa insistência do riso havia muito mais flagrante a presença da dor. É um ângulo a estudar, na complexa personalidade de Lili, e estou certo de que o fará Lyad de Almeida, herdeiro de um considerável e ineditíssimo material sobre o poeta, reunido por seu pai. Infelizmente, por um prurido incompreensível, Lyad não quis, quando dirigiu o Instituto Niteroiense de Desenvolvimento Cultural, dar publicidade ao trabalho que tem, completíssimo, sobre o curioso humorista niteroiense. Enquanto rezo para que o faça agora, com o que muito enriquecerá a desprezada bibliografia de Niterói, aqui aproveito para uma achega – creio que nova – aos admiradores de Lili.
É por demais sabido que poeta só uma vez teria versejado a sério, numa composição que dedicou à própria mãe, um soneto que, por sinal, encarados os cânones da época, é uma perfeição de forma e sentimento, a especular sobre o quanto Lili poderia fazer, se não quisesse ser apenas humorista. Outros houve, da fase em que ele começou a versejar, nos idos de 1907, aos 17 anos incompletos. Dessa época, provavelmente, desapareceu-lhe a produção. Mas pelo menos um soneto salvou-se, escrito por ocasião da morte de Maria Bárbara da Silveira, a Sinhá-Pequena, que a febre amarela levou aos 16 anos de idade, às vésperas do casamento. Foi para ela, sua companheira num dos muitos clubes dramáticos que então funcionavam em Niterói, que Lili escreveu estes versos de “Noiva Morta”:
Que alegria: ela, sempre, quando vinha
o noivo amado, à tarde, procura-la,
um galanteio, um riso doce tinha,
ao mandar que ele entrasse para a sala.
E depois, que harmonia aquela fala!
No rosto dela que prazer continha!
Ele como ficava a contempla-la
rica de amor e de pesar mesquinha.
Como eram ternos! No entanto, têe-la
quis Deus no céu, e arrebatou-a ao vê-la
tão feliz, dando aos pais profunda mágoa!
E ele, o noivo, o mísero, coitado,
desde que a noiva é morta, o desgraçado
tem sempre os olhos, sempre, rasos d´água...
São versos sem grande expressão, que não podem servir de modelo de monumentalidades literárias. Versos dos 17 anos. Talvez até exagerassem na extrema dor do noivo, aliás irmão, segundo penso, do compositor Eduardo Souto. Mas se não está na forma o valor do poema, pelo menos serve para mostrar um outro lado de Lili Leitão, o Lili adolescente, sentimental, antes da bebida e das comidas brabas...
Da revista Comunicação
Niterói, maio, 1976, página 31.