Cola de farinha

Resolvi tirar três tardes de férias – dias 02, 03 e 04 e emendar com o final de semana. Fazer o que em tão pouco tempo? Lógico, consertar coisas quebradas de casa, arrumar outras e jogar fora a papelada sem serventia, costume em toda passagem de ano. Fiquei com os braços doendo de tanto aparafusar uma velha bancada na cozinha. Jurei comprar uma aparafusadeira elétrica.

Imprimi algumas fotos e fui trocar as antigas existentes em uma pequena porta-retrato. Eram apenas seis fotos tamanhos 3x4 a 5x7 e uma circular. Precisei de um pouco de cola e não encontrei o tubo. Minha mulher perguntou: - Você esqueceu como é que se faz cola?

Claro que não, respondi – com farinha de trigo! Fui fazer a cola e errei a receita. Fiz cola suficiente para colar umas 300 fotos. Enquanto mexia a mistura de farinha com água, me lembrei das capas de provas, das figuras de passar e das rosas recortadas dos papéis de enrolar presentes. A cola ficou grossa, mas colou.

Coitado, o leitor mais novo deve está pensando: Capa de provas? Isso mesmo, capa de prova com areia brilhante. Isso é lá assunto de coluna de site?

Essa lembrança é de 1967. Todo final de ano, as professoras pediam para que os alunos levassem as capas de cartolina para que fossem colocadas as provas finais dentro delas. Na loja dos Sarno, vendiam-se as benditas capas. E vendiam muito bem. Não posso precisar a quantidade, mas dava um trabalho enorme para fazer. Era uma atividade prazerosa. Elas eram fabricadas lá em casa.

Precisávamos apenas de cartolinas de diversas cores, figuras de passar (só se achava em Vitória da Conquista ou Salvador), papel de presente para recortar as figuras, cola e areia brilhante. Esse era o material básico. Vez ou outra se usava tinta guacher.

As cartolinas eram dobradas ao meio e ficavam no tamanho que hoje chamamos de A4. A figura de passar era um material interessante e não é comum nos dias de hoje – chama-se “de passar”, pois quando colocada na água a fina película se soltava e deslizávamos sobre a cartolina. As figuras recortadas eram coladas com a cola de farinha de trigo.

O charme vinha no final, quando se colocava cola branca em torno das figuras e jogava a areia brilhante. Quando recebíamos uma encomenda, o nome da pessoa também era destacado com a areia brilhante. Naturalmente, se enfeitava com o repasse da tinta Guacher para melhorar a apresentação. A mesma coisa era feita com os nomes das matérias. Para completar, fazíamos os furos com um furador de papel e aplicávamos uma fita com o bonito laço.

Essa lembrança mostra como se dava importância à atividade escolar de outrora. Receber as provas em capas com a nota final gravada era uma festa. Marcava-se data para a solenidade de encerramento.

Até o cara que “tomava pau” se sentia menos culpado e levava as capas. Eu sempre passei “arrastado”, mas trazia as minhas com as mensagens de fim de ano do professor.

Invés, agora, no dia do último Natal, o filho de uma amiga comemorou quando soube, por telefone, que não faria segunda época. Estava fora do “pé-quebrado”, como dizia a minha mãe.

Lulu Sangiovanni

luiz.sangiovanni@gmail.com

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 07/03/2008
Reeditado em 03/10/2009
Código do texto: T891726