Cães de Companhia 2

O nome dela é Régia Ariadne Scene Bijou. Não venham me dizer que esse não é nome de cachorro porque não fui eu quem escolheu. Ela veio registrada.
Primeiramente apresentarei a vocês o seu lado ‘rainha’.
Ela é maravilhosa. É uma ‘bichon-frisé’ que reúne todas as características desejáveis para um cão de exposição. Para um cão de pequeno porte ela é grande, muito peluda e seus pelos muito macios. Como o bichon é de pelugem exclusivamente branca, a sua ‘carinha’ se compõe assim: um grande pompom branco com três bolinhas de gude castanhas: olhos e focinho. O rabo sobe verticalmente e desce fazendo uma curva na direção das costas mas sem tocá-las. Parece que para os juízes esta é uma característica fundamental para certificar que é de boa linhagem.
O estilo de cortar os pelos é muito bonito. O ‘cãobelereiro’ deixa os pelos do pescoço e cabeça mais longos e assim compõem uma pequena juba o quê lhes atribui a alcunha de ‘pequenos leões franceses’.
Esse é o lado ‘rainha’ da minha Carol e que ninguém aqui em casa me ouça chamando-a de minha! Carol está gorda e é muito estabanada. Apesar de já ser uma senhora (ela é mãe da Shine, lembram?) ela corre e brinca como uma filhote. O correr dela é muito gracioso pois o faz meio que sambando devida a gordura mas mistura um pouco os passos com um convite para brincar. Quando a Shine, que nem sempre está disposta, se recusa ela chora insistente. Ela sempre brinca com o biscoito antes de comê-lo, solicitando a este que faça círculos no ar antes de ser devorado.
Ainda porque está gorda, na maioria das vezes não consegue saltar para subir nas poltronas e cadeiras e, o que eu acho um lado muito legal dela, não só aceita ser ajudada como solicita quando eu estou distraída, arranhando a minha mão, sem machucá-la, para que eu a suspenda e ela possa ficar ao meu lado.
Seu latido é tão forte que me sugere cordas vocais de um Fila e ela late quando tocam a campainha e corre na direção da porta voltando várias vezes como que a me puxar para que eu a acompanhe até o local em que tenho que ir. Eu acho que ela pensa que eu não sei ou não escutei. Late, enquanto eu estou preparando a sua refeição me lembrando que está ali e que está faminta e só pára quando eu lhe ofereço o seu pratinho. Come vorazmente, sem parar para respirar ou tomar um pouco de água. Nesse aspecto as duas se diferenciam muito. Como a Shine ‘come que nem gente’, come, interrompe, olha para os lados, dá uma voltinha, vai limpar a boca nos azulejos da parede, toma um pouco de água e depois volta para comer, eu preciso ficar vigiando o prato dela porque nesse meio tempo a Carol já terminou há muito a sua refeição e fica a espreita do prato da Shine. Quando a Shine está mais faminta e come sem interrupções, a Carol ‘faz fila’ atrás dela. Essa é uma cena muito engraçada que eu nunca fotografei. Filas não existem somente no mundo dos humanos.
Eu fico sempre com a impressão que a Carol gosta mesmo é de um ninho tamanho o prazer que tem em dormir no emaranhado dos fios do computador – ela está lá agora. Quando preciso ir ou já terminei o meu trabalho, já estou no meio da sala e me lembro. Volto-me e ela está me esperando para socorrê-la. Nunca pensei em desfazer nós sendo uma das pontas a pata de um cachorro. E quando elas expressam dúvidas. Eu consigo ver como conseguem escrever com a cabeça e uma orelha levantada um ponto de interrogação.
Uma vez lendo uma reportagem sobre cães de pequeno porte, em uma revista especializada em criações, notei que eles davam notas às diferentes raças para diferentes aspectos. Chamou-me a atenção que o bichon recebeu nota máxima para a compreensão de palavras. De todas as raças, esta foi a que adquire a compreensão de um vocabulário mais extenso. Isso procede. Vou dar-lhes só um exemplo, a palavra ‘biscoito’. Eu não a pronuncio se não tiver a intenção de dá-los. Posso pronunciar a palavra fora de qualquer contexto, posso estar conversando, se falo a palavra elas correm até a frente do armário e ficam olhando fixamente esperando a porta se abrir. Se eu demoro, alternam o olhar na direção da porta com um olhar dirigido a mim. É motivo de riso entre os meus amigos cachorreiros que só a sílaba ‘bis’ já provoca um levantar de orelhas mesmo que estejam aparentemente dormindo.
Ter criação é uma delícia. Eu ouço algumas pessoas dizerem: “eu não quero mais animal”. Eu ouço a frase completa: “depois que morrerem eu não vou querê-los mais”. Eu entendo que essas pessoas podem estar se referindo ao trabalho, preocupações e gastos. É muito xixi fora de hora e muitas vezes fora do lugar; doenças que nos tiram o sono; gastos com banhos, vacinas e cirurgias, às vezes com anestesias especiais e verdadeiras U.T.I.s e aquela preocupação de com quem iremos deixá-los quando tivermos ou quisermos viajar e uma vez tendo viajado aquela saudade doída e aqueles pensamentos, que sabemos irracionais, cutucando: “como será que eles estão?”; “será que estão se sentindo solitários?”; e aquele pensamento que, na minha opinião, é o que dói mais: “será que eles estão pensando que eu os abandonei?”. Mas eu creio que aquelas pessoas que dizem não querê-los mais estão se referindo à dor maior do criador que é exatamente esta, o momento em que eles morrem, o sentimento de impotência ou por mais que façamos, eles se vão.
Noutro dia, conversando com uma amiga que tinha perdido sua pastora e estava sofrendo muito, inconformada, perguntei-lhe como estava já que havia passado alguns dias e ela me respondeu que estava melhor, que havia chegado o momento dela e que ela, a pastora, a tinha feito muito feliz. Eu logo respondi que certamente ela, a amiga, a tinha feito muito feliz.
Essa é a forma que eu encontrei para lidar com esta dor. Eu tenho certeza absoluta do meu amor. Faço tudo o quê está ao meu alcance para a sua saúde e bem estar. O quê eu recebo em troca é uma relação de tamanha confiança nunca experimentada com um ser humano. Quando estamos na sala de espera da nossa médica veterinária, outras pessoas da minha família podem estar presentes mas é o meu colo que é procurado, eu sou para elas a fonte de proteção.
Quando chegar aquele momento que jamais queremos mas que certamente virá, embora não saibamos como será, as lágrimas serão permitidas sem censura alguma, o sofrimento será compartilhado com os amigos mais solidários e eu jamais esquecerei que enquanto eu as tive ao meu lado elas foram muito amadas e felizes. Mas os momentos felizes compensam, sem dúvidas e em muito, os momentos de dor. Eu acho que amar é assim.