"LEMBRANÇAS DO LICEU CORAÇÃO DE JESUS"

LEMBRANÇAS DO LICEU CORAÇÃO DE JESUS

Encravado no bairro dos Campos Elíseos, o Liceu Coração de Jesus de orientação salesiana abrigou na metade do século passado o maior contingente de alunos da capital. De bonzinhos a sacanas, todos sem exceção cumpriam rigorosamente os mistérios da missa, as orações no pátio e as filas perfiladas por classe debaixo dos pórticos. Então o padre da tribuna de três degraus clamava pela ordem acompanhada das recomendações espirituais. Após o que, qual gado manso tangido pelos clérigos éramos conduzidos às salas de aula. É bom que se diga que a disciplina imposta era bastante severa, coques na cabeça, beliscões e tenazes apertos nos braços aconteciam regularmente e muitas bochechas coradas testemunhavam o grande apreço que os “urubus de batina” tinham por nós. Tais demonstrações, jamais relatadas em casa, aconteciam sob o manto caprichoso do autor e do traquinas, pois se contasse os braços da velada inquisição se fariam sentir. Assim, a amistosidade era controlada. Tínhamos naquela época um padre inspetor de nome Paulo, que inopinadamente e sem motivo algum me deu um coque na cabeça. Tão cego de raiva fiquei, que lhe apliquei um forte chute naquelas escondidas canelas debaixo das saias. A punição veio rápida e extensiva, explico, fui condenado a quinze dias de suspensão e copiar trinta e cinco vezes o regulamento interno do colégio que tinha uma porrada de artigos naquela letrinha de bíblia. Ora, a família inteira ajudou, visto que não se podia usar o papel carbono. Meu aprendizado, começara. Daí por diante, o degas aqui começou a ficar escolado no santuário. Para uma convivência pacífica com os alunos internos e ter dos grandões proteção contra meus adversários especializei-me em roubar cofres da igreja. Esclareço, às costas da porta de entrada do templo maior da instituição era vigiada por uma imagem de Domingos Sávio – exemplo de menino – que na altura do abdome portava um pequeno cofre amparado por suas mãos, e ao colocar uma moeda sua cabeça fletia agradecendo o óbolo depositado. Pois bem, descobri um jeito de surrupiar as moedas e manolitas que repassava aos meus protetores para que pudessem com Cinzano ou qualquer outro vermute aliviar o isolamento e clausura do internato. E, eu transitar com passe livre assistido. Do lado de fora, a Cássio Muniz e o emplacamento de veículos animavam o pedaço com os carrinhos que vendiam raspadinha de groselha. A rua Barão de Piracicaba era guarnecida por um quartel do corpo de bombeiros, motivo de admiração por aqueles grandes carros vermelhos e xeretice por querer entrar neles. Ah! Quase me esqueço da Alameda Nothmann, que um dia sobre os trilhos de bonde assistiu a uma peleja de ping-pong quando aumentou de duzentos réis para quinhentos réis a passagem do coletivo de lata, que a meninada de hoje conhece por daguerreotipo, ou melhor, fotografia.

Bem, minha gente, depois eu conto mais!

paulo costa

março/2008

paulo costa
Enviado por paulo costa em 07/03/2008
Reeditado em 09/03/2008
Código do texto: T891011
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