Arritmia Cardíaca
 
Apareceu no quadro: senha 758, sala 01. Eram 15:38h.
Para lá fui eu, todo me arrastando, numa fraqueza e cansaço digno de um ancião.
Apoiando nas paredes, passei pelo segurança que sempre como um urubu mau, vestido de negro e com cara de velório, braços cruzados, revólver na cintura, cheirando a suor disse:
- Ali.
Meu coração pulsava tanto, que uma raiva a mais ou a menos, não iria modificar a arritmia.
- Senta aí, disse com voz de Fidel Castro saudável.
Uma mocinha aferiu a pressão, temperatura do corpo, os remédios que tomo, peso, altura, idade. 
Isso tudo sem olhar pra mim e, mesmo estando lá na ficha a data de nascimento, ela insistia em perguntar a idade.
Uma nova sala, cercada de cortinas, corre-corre de enfermeiros e médicos. Era a UTI.
- Tire a roupa, tire tudo. Vista esse avental.
Meu Deus, pensei, pra que isso, se vou ficar com tudo de fora com ou sem avental?
- Quais remédios o senhor toma?
- Fuma?
- É alérgico?
Eu lá com um aparelho apertando o dedão esquerdo, medindo oxigenação do sangue.
Outro também no dedo da outra mão, medindo sei lá o que.
No braço direito um escalpe espetado na minha veia. 
No esquerdo, outro ligado na minha mão.
No peito uns 10 eletrodos, nas pernas mais 4, todos agarrados em mim.
Eu estava ligado por fios a vários aparelhos.
Sons e luzinhas piscando pra todos os lados, e nem era natal ainda.
Eu lá, peito depilado, com fome e sede, só assistindo o liga e desliga, falam...falam e nada dizem.
Lá fora, dava pra ouvir a festa de dezenas de papagaios comendo as sementes verdes das bolas de uma paineira.
Ave linda o papagaio. Barulhento, sempre em bando. Acho que por serem tão lindos, odeiam solidão.....ou seria o inverso?
Eles comiam desesperados porque já iriam dormir.
Eu ali, louco de fome e sede, que duraria mais 19 horas. Jejum total.
Por volta da meia noite, reuniram alguns médicos e uns enfermeiros e avisaram:
- Sua arritmia não regrediu. Vamos ter que lhe dar um choquinho.
Ufa, até que enfim, choquinho é coisa rápida pensei, minha querida comadre Clotilde tinha passado pelo mesmo procedimento dias antes. 
Eu já sabia de tudo. Estava feliz.
Acho que demorei mais uns 30 segundos e apaguei.
Hora e meia depois, ouço longe, Augusto..., Augusto..., Augusto! Era meu anjo da guarda, olhinhos tristes, rosto cansado, aflita e agarrada na minha mão desde o primeiro momento.
Acorda meu amado marido, dessa você escapou.
O som do bip bip era compassado, ritmado como uma canção de amor, ... 64 bpm, pulsava um coração apaixonado pela vida, pela natureza e pelas letrinhas.
- Dorme, aproveita o restinho do sonífero e descansa, eu ouvia.
Quando o dia clareou, meus vizinhos papagaios de bicos grandes, se agitaram numa algazarra geral, não sei bem se por novo dia ou se porque mais um poeta sobrevivia.
Lembrei de Quintana: Todos passarão, eu passarinho.
Apareceu a primeira enfermeira do dia.
Eu implorei água. Quero água e um banheiro urgentíssimo. 
Não estou me agüentando.
Ela como todas, gentis e dedicadas, foi direta:
- Vou buscar um papagaio e a comadre.
Nossa!!! Não sei se por remédios, medos, vergonha mesmo de estar ali pelado e também por nunca ter sido um bem dotado, poderiam ter trazido um mini periquito que sobrava bico pra eu mijar.
Mas, aborrecido mesmo, fiquei quando ela ordenou:
- O senhor vai ter que usar a comadre. 
Doe orgãos - Visite regularmente seu médico.
Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 06/03/2008
Reeditado em 06/03/2008
Código do texto: T889953
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