MINHA ESCOLA

Este ano, a escola em que estudei em Belém completa 45 anos de sua fundação.

Para os que não a conhecem, falo de uma instituição pública de ensino, vinculada a uma universidade federal do norte do Brasil. Começou como apoio aos filhos dos servidores da universidade e para não desaparecer - nos anos sombrios em que mergulhou o ensino público em nosso país, tornou-se escola de aplicação, ou melhor dizendo, em escola de escola!

Dali saem hoje, professores capacitados para outras escolas e para ela mesma. Dali saem e já saíram inúmeros talentos cujo intelecto e formação profissional vão desde grandes pesquisadores da academia universitária brasileira, a artistas premiados das artes plásticas, literatura e música nacionais; de políticos atuantes a ministros de Estado. Todos alunos de escola pública!

Todos viveram e tiraram da escola experiências e alegrias semelhantes às descritas no texto, colhidas com carinho das lembranças que carrego. Nós, os ex-alunos, proeminentes ou não, somos testemunhas vivas de que qualidade no ensino público é possível, e quando acontece, contribui para a extinção de barreiras sociais e preconceitos transformando crianças de diferentes começos, em amigos queridos de toda uma vida.

Perguntada sobre as recordações e a importância da Escola em minha vida, encaminhei aos organizadores do evento que marca o aniversário o seguinte relato:

A escola me deu duas coisas fundamentais: educação gratuita e de qualidade e, os amigos que fiz ali e cujas lembranças , exemplos e presenças me acompanham pela vida.

Meus melhores amigos, até hoje, foram amiguinhos de brincadeiras no jardim de infância da professora Neuza, e visitaram comigo a fábrica do Guara-Suco e da Gelar. Juntos, cantamos todos os dias às sete e meia da manhã os hinos com a mão no peito, os olhos fixos na professora Sarah; marchamos no sete de setembro, mesmo sem entender direito porque o Ano do Sesquicentenário era tão importante. Brincamos de roda, e dançamos todas as danças que a professora Cândida e a Graça de ginástica nos ensinou.

Temerosos ante ao siso do inspetor "seu" Guilherme e da professora Nazaré Carreira de português, meus amigos e eu entendemos o valor da disciplina; com o "seu" Saide trocávamos os lápis e os cadernos usados por novos, e com "seu" Célio, aprendemos a ter a paciência e bom humor.

Nosso grupo passou unido pelas mãos das professoras Ruth, Cléia, Rita, Ana Maria, Onéia, Leonor, Noeli, as Terezinhas de matemática, Clélia e tantas outras, quando descobrimos as recompensas advindas do trabalho sério e coletivo - os elogios, carinho e incentivos eram ilimitados. Sem falar de quantas vezes deixamos nossas merendeiras em casa para não perder os mingaus feitos pela "dona" Cleonice. Nas sextas-feiras era dia de Ki-suco - celebrado com festa animada ao som dos copinhos de plástico que alegremente batíamos na parede enquanto esperávamos na fila!!!

Verdadeiro som da inocente alegria...

Entramos juntos no ginásio, e seguir pelo científico até a universidade nos fez sentir mais crescidos, importantes, cientes de nossas possibilidades e intelecto. Com estes mesmos amigos ampliamos os limites do conhecimento sem contudo deixar de brincar: entre nós e com os novos professores e funcionários, que iriam dali em diante fazer parte de um período único em nossas vidas.

Hoje quando a vida nos reúne, relembramos inúmeras passagens que para nós eram diversão pura (e ainda são!), mas verdadeiros tormentos aos mestres e servidores que com paciência e carinho nos conduziam pela adolescência rumo à vida adulta.

Professor Bosco, inesquecível diretor que corava sempre que nos apanhava aos beijos no corredor do colégio, que gaguejava quando com raiva, que entrava na sala na hora da bagunça e nos pegava no flagra, jamais nos castigou pra valer e comemorou conosco levando na cabeça todos os ovos que merecemos no trote do vestibular.

Juntos ralamos com a professora Tuma, passamos por alguns hilários contratempos nas aulas da Lúcia Leão, amolecemos o coração da Zezé e jamais esqueceremos da eterna Ana Emília com quem aprendi a gostar ainda mais de matemática e que nos apresentou definitivamente ao estresse quando ditava as notas de prova em ordem decrescente!

Com professores como o Armando, Mathias, Osmar Tadeu, Estela, e outros, aprendemos a estudar com prazer e descobrimos que a história, literatura e artes abriam a possibilidade de compreender a transgressão da ordem e a enveredar nos questionamentos políticos.

Não há como esquecer do "seu" Alberto e seu refinado senso de humor e oportunidade cuja cumplicidade conosco nos permitiu exercitar esta amizade sem limites e a compor a imagem de uma convivência sadia e sem vícios.

Das aulas da professora Marita ficaram adoráveis lembranças, e do francês mesmo, apenas os diálogos decorados e interpretados entre risos e palavras proibidas a seus ouvidos, porém pronunciadas repetidas vezes para deleite de nossas almas ingenuamente cruéis.

Ali, entre um e outro insight do Curt e Zé Luis, das aulas inigualáveis de uma Concita, e das centenas de imagens e sons que brincam entre uma lembrança e outra e se transformam em saudades dos que já se foram, forjamos uma interação profunda que transcendeu as fronteiras das salas de aulas e fundiu a imagem da escola querida da qual não queremos perder o vínculo, posto que é parte importante de nossas identidades.

Ao NPI, meu obrigada por juventude tão feliz!

Ana Isa van Dijk

Houten (Holanda), 05 de março de 2008.