Bichos e eu

Ao voltar hoje da aula de dança flamenca para iniciantes, chorei por minha gatinha. Nome civil: Babilina, carinhosamente chamada de “Pequena da mamãe” e “Pequena Monita”, que significa bonita, mas com a voz infantil que eu fazia, o b virava m. O apego aos bichos já se dá de longa data. Na casa de minha avó (ainda por cima sou menina criada com vó...) era uma mulata e um cachorro. A mulata maracanã começou a comer as penas e morreu um dia toda coberta de violeta – um pozinho, ou era líquido? que tinha a nobre intenção de ser remédio. Coitada! Deve ter-se intoxicado. O cachorro: Quico. Um vira-lata até bonitinho, branco com manchas negras, contudo era espivitado demais, afobado, carente, sei lá. Este, depois da mudança da vó, sumiu, sem antes deixar de sofrer uma solidão horrenda, quando a casa estava meio abandonada.

Meu primeiro bicho que foi meu mesmo de verdade, foi o Bob – um cachorro poodle. Na verdade ele pertenceu ao meu primeiro casamento, há nove anos atrás. Com o susto pós casório, F. propôs que tivéssemos um bebê; como tudo estava muito recente e atribulado, resolvi seguir o conselho da sapiente sogra: filhos só depois de 5 anos (pena que não chegamos nem às bodas de papel...).

Numa bela manhã enluarada, F. chega com o pagamento (Bob) feito ao veterinário por serviços prestados a uma cadela: a mãe do citado cão. Negritude da raça canina, já grandinho, até então morador da clínica. Excesso de carência e alopração. Meu querido e terno Bob: adorava passear de carro com a cara na janela; conosco na mudança para São Paulo, acompanhando-nos nas caminhadas, nos passeios dominicais do parque; companhia para as minhas solidões. Só nas terapias fui entender porque sentia tanto a falta do cachorro. Sonhava, chorava e chorava. Ficou em SP, não houve jeito de trazê-lo, dado a uma família conhecida, acho. Há um retratinho dele na janela do outro quarto, com o seu estimado dinossauro verde.

Quando estava a morar “sola”, pensei que fosse melhor criar gatos (dois, para que pudessem brincar). Meu pai me arrumou um casal – era o que se pensava. Começando a estudar espanhol na época, os nomes foram: Pablito e Evita. Mais tarde, descobriu-se que Evita era macho também, mas devido ao costume, continuou sendo Evita e para mim, francamente ela(ele) tinha jeito de gata mesmo. Numa fatídica manhã, encontrei seu corpo acidentado na porta de casa. O funeral foi banhado a lágrimas torrenciais, enquanto eu furava sua cova no quintal (e nem esperava que a chuva de lágrimas só estava começando, pois aconteceu no feriado de páscoa, o qual, J. me deu um baita bolo e logo após um fora descomunal). Plantei umas florzinhas para marcar o túmulo, não imaginava que era o começo de um pequeno cemitério de gatos.

Pablito ficou só, não se dava com Evita, acho que nem sentiu falta. Um dia apareceu um gatinho abandonado; fui deixando, porque logo eles sumiam mesmo. O intrigante é que Pablito o adotou, a ponto de deixar que Gregório lhe mamasse. Sim, mamasse nas suas tetinhas másculas. Isso se seguiu até Gregório ficar bem grandinho e Pablito sumir. Ficamos Gregório e eu, eu e Gregório. Até o dia (lá vem de novo) em que o pobre instinto felino o traiu: comeu um gato envenenado e veio a falecer na calçada da vizinha. Foi tristonho vê-lo um pouco antes do fim de todo aquele que vive. Tremendo, encolhido, com os olhos e o gemido raivosos. Mais um morador do quintal, agora sob a terra.

Depois de tantos infortúnios, um tempo sem bichanos viria acalhar.

Odara: mãe vira-lata, pai labrador. Encantadora na sua primeira infância. Negritude canina também. Eu não queria mais cachorros, já bastava Bob na sua ausência. Entretanto, F2 fazia gosto em termos a cachorra. Pois sim, amemos Odara. Com ele e depois sem ele (por algum tempo), Odara foi uma grande companheira e guardiã. Desesperador um mês e pouco, quando ela demonstrava sintomas de cegueira. Caminhar com ela me cortava o coração. Logo, Caperucita, uma vira-lata pequena, para fazer companhia a Odara. Fumaça: uma gata cinza ou azul? Duas filhas precoces de Fumaça – desaparecendo uma após vacina. A filha ficou meio rejeitada pela casa, nem sequer ganhou nome.

Que estorinha longa, uai! Encurtando: com a desmedida aventura a Espanha, bichos foram esparramados a quem interessasse. Mudança para Goiânia, minha gatinha veio para acalmar meus medos e aflições. Travávamos um diálogo ronronal. Mesmo que não tivesse que levantar cedo, abria a porta para ela entrar, se quisesse. Mãozinhas espertas à caça de baratas, borboletas e afins. Olhinhos meus, aonde vocês estão? Os sumiços duravam não mais que três dias, e agora, lá se vão duas semanas. Oh, minha pequena, que falta fazes a esta pobre alma que ao abrir o portão se entristece a falta de sua tão doce figura.

Lígia Martins
Enviado por Lígia Martins em 05/03/2008
Reeditado em 05/11/2010
Código do texto: T888511