SE AS ROSAS FOSSEM OCEANOS PLÁCIDOS

Sou assim como uma espécie inusitada de sonhador, evidentemente alguém a fazer da quimera o seu Norte. Tento colher rosas do céu como quem rouba estrelas do Olimpo e enternece o tempo com gotas de pétalas perfumadas. Ando por sobre as nuvens e confecciono lindas almofadas para os anjos que voejam em derredor de meu sorriso franco. Sou adepto da sinceridade, não obedeço à Lei da Gravidade nem sigo teoremas esdrúxulos como se procurasse decepar a cabeça da Hidra malfeitora e caricata. Confesso: por mim ofereceria flores a cada assassino das águas e eles entenderiam a grandiosa importância dos mananciais para os seres viventes.

Não, não quero nem pretendo sorrisos falsos em rostos muitas vezes desfigurados pela horrorosa dor de não saber amar, de desconhecer a ternura que se descortina num por de sol esplendoroso. Portentoso, planto árvores como quem semeia células preciosas que se transformam em humanidade, em frutos saborosos. E desejo ansiosamente que as criancinhas não pereçam pela indiferença dos homens detentores do poder da força e da força do poder, os que guardam nos próprios bolsos a chave do erário.

Ah!, quem dera as rosas fossem oceanos plácidos onde a pura ilusão se transformasse em pungente realidade, tornando palpável o dom da bondade, e o temor desse lugar à fraternidade mundial mais enternecedora, à mais bela e acolhedora de todas as Passárgadas. Eu residiria com os meus amores no mar da tranquilidade e fecharia definitivamente o acesso ao mar das tormentas. Anelo a luz e seu fantástico brilho envolvente e doce. Por mim, jamais haveria escuridão ou brumas. Eu apagaria tão-somente o desamor, o ódio, a inveja, a malícia, a soberba, o medo, o horror, entre outras tantas inutilidades. E andaria pelo amanhecer segurando uma vela acesa à procura do entendimento entre os racionais. Quiçá encontrasse a essência do verdadeiro amor por aí. Acendamos dia e noite o sol de nossos sentimentos! Acordemos e descauterizemos a consciência dos violentos para que enxerguem a harmonia da vida e abandonem a brutalidade primária, a barbárie, o desamor. Que todos dêem eterno adeus às armas e um sempre nunca mais para a grosseria.

Fosse meu o Universo, asseguro que em cada centímetro quadrado de chão eu armaria armadilhas para capturar o melhor dos sentimentos humanos e captar o perfeito ângulo do mais inebriante sorriso feminino. E guardaria muito bem, com zelo e extremos cuidados, a pureza da cândida inocência infantil. É que, outro dia, vi a pomba branca da paz ser alvejada por uma bala perdida e esguichar sangue no rosto inocente de uma linda menina negra de olhos brilhantes, tão frágil, tão desprezada, tão discriminada! E, no mesmo instante, atônito e ofegante, observei, chorando, seres humanos agindo como monstros quando jogaram litros e mais litros de gasolina sobre o ônibus lotado e riscaram um fósforo rindo endemoninhados, os crápulas nojentos. Avistei, realmente perplexo e aos prantos, atemorizado, indefeso, gente queimando dentro do ônibus fechado feito lenha na fogueira, a carne viva sendo assada impiedosamente para o gáudio dos primatas modernos. Eles gritavam de dor e os trogloditas davam urros de prazer. Solucei feito criança abandonada e faminta, vomitei aquela visão aterradora como se estivesse drenando de meu coração as cenas dantescas e escabrosas. Tivesse eu na mão uma borracha metafísica apagaria do meu caderno cerebral aquele espetáculo estúpido e faria de conta que ele jamais existiu. Não são seres humanos esses assassinos frios, são dejetos pútridos, são veneno injetado pela serpente da maldade e da discórdia. Víboras torpes!

Destarte, onde, entre as folhas se escondem os beija-flores quando, suavemente, a noite os envolve? Onde os amantes sorrateiros se inebriam, se tão ínfimos são os seus momentos e eles, arfantes, em leitos alvos, adormecem embalados pela aura do tudo? Provavelmente se refugiem em mundos mágicos ou em abissais oceanos azuis e se deleitem e usufruam, enfim, a almejada paz. Talvez os homens possam, enfim, algum dia, aconchegados no campo da fraternidade, em jardins de muitas cores e tantos matizes, esquecer o sofrimento, o temor, a covardia, a violência, a amargura e a angústia. Quem dera!

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 04/03/2008
Reeditado em 23/08/2021
Código do texto: T886800
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