Recreação periódica ou tomate amarelo?

Faz parte da profissão o gosto pelo delírio. O sabor do imaginário. O escritor possui na verdade certo controle sobre a loucura da imaginação ardente. Consegue criar filiações no tempo dessas histórias soltas colhidas pela atenção ao mundo. Sabe considerar e curar quimeras como uma doença sem culpa do diabo. Sabe imbricar numa história fantástica. Jorra a fonte da juventude repleta de lagoas mágicas em quase tudo e sempre concorrendo com a ausência do luzente metal.

O que sabemos é que ele nasce da demonologia discrepante dessa atividade profissional. Misto de ciência e religião em trajes simples. De onde o cronista tira tantas palavras para o alimento geral? A transcendência (palavra sempre em voga nas escolas superiores) erguida do mecanicismo inobediente ao real cria seus ritos expulsivos. Gracejo dos beiços espumados de cerveja.

Fiz uma enquête familiar. Quem acha que sou “neurótico total” que levante a mão? Para surpresa ninguém levantou a mão. Voltei à carga. Quem acha que sou "louco varrido" que levante a mão ou se cale para sempre? Todos levantaram a mão com medo nupcial.

Voltei para o escritório em silêncio e fiquei fechado lá dias e dias. Escrevendo para o computador o que é a mais notável e dúbia loucura moderna da profissão. Grátis e fácil. Alguém bate na porta convidando para o almoço entre pancadas na porta: o almoço está pronto! Livre. Grátis e fácil. São estes os verdadeiros ritos expulsivos de alguém sem vida mística. Alguém que prefere resumir a pedra da aurora pela abstração do tabaco.

Todos julgam que não estou trabalhando. Que todo este esforço não passa de recreação periódica do último escritor esquecido no sul do país. Espécie de tomate amarelo porque a divisão entre amador e profissional é questão financeira. Digo-lhes que o tomate foi amarelo em seu começo mexicano. O espanto é geral. Dizem provocativamente que estou vivendo no século XVI com eles. Pior é a dedução sobre a cultura de almanaque: amarelo porque ainda não estou maduro o suficiente para compreender um pouco mais de botânica, quanto mais literatura.

Ora, eu lhes perdôo como ladrões de minha satisfação plena. Eles vivem de astrologia judiciária como a histeria sobre drogas. Drogas, drogas e mais drogas! Digo-lhes que há perto de cinqüenta mil novas drogas ocultas em flores, sementes, folhas e raízes espalhadas pelo mundo. Certamente a polícia não encontrará o fim de todas pelos métodos convencionais. Protesto! Minha cultura de almanaque não vive de notícias prontas. O isolamento é total. Tudo é uma droga se vista muitas vezes. É a imaginação quem se droga comigo pela hipnose do leitor. Caminho então reto. Reto com minha estupidez pura. Simplório e brincalhão. Ocultando a pimenta no açúcar para acúmulo abdominal. Passando para tio e é o pior da história porque haverá um dia em que alcançaremos à bola extraviada do campo em pleno jogo de rua. Nesse ponto surgirá o menino dizendo: alcança a bola tio! Exatamente nesse ponto nasce o primeiro cabelo branco como a estrela pipoca na escuridão da noite.

...Pois fiquem longe das ilusões! Lembrem-se de que um dos “Stones” após muitas fanfarras esquecidas declarou ao mundo: fiquem longe das ilusões! (Disse com veemência, mas não cantou). Como se adiantasse declarar, proibir, lutar contra as fantasias. Os melhores fantasmas teatrais que nos iludem são cronistas.

Agarre a chance diante da teoria climática da história. Não pare. Ria para valer! Triunfe. Procure à estética dos prefeitos, as diárias são colossais.

Mas nunca procure o cronista para nascer nos livros da vaidade. O cronista será sempre e tão somente uma alma por nascer num escritório fechado até o meio-dia.