Seu Irineu em Laguna
Sabedor de que Seu Irineu estava só, separado da dileta esposa Pérola, que o havia trocado por uma advogada gaúcha há algum tempo, fiquei com pena e, confesso um tanto receoso, convidei o velho para passar uns dias comigo em Laguna, SC, no apartamento de meus cunhados, que combinei visitar no carnaval.
Na rodoviária, ao colocar as malas no bagageiro do ônibus, Seu Irineu ouviu o carregador dizer: “Vai pra Laguna, vô? Tem lugar para mim na mala?” Seu Irineu ficou todo satisfeito em saber que iria para um dos melhores carnavais do sul do Brasil.
Depois que chegamos e nos instalamos, o velho queria logo ir ver os blocos.
Foi então que os rapazes da casa em frente ao edifício iniciaram a “concentração”. Esta é uma espécie de aquecimento para a noite, onde acontece o seguinte: os rapazes bebem cerveja – todos invariavelmente bebem Skol – vestem bermudas, têm tatuagem no ombro ou nas pernas e ficam sem camisa. As meninas ficam separadas – estas ficavam no terraço da casa – conversando entre si e tomando sol. Os rapazes, depois de um tempo, alegres, começam a dançar entre si, de vez em quando esfregam a barriga um no outro, talvez invejando os peitorais do companheiro. Isto tudo se passa numa macheza indubitável. As meninas nestas alturas dormem ao sol. Se Irineu ficou particularmente impressionado com um triângulo eqüilátero que tentava esconder as jovens nádegas de uma menina, que apontava, sem pudor, o tal triângulo em sua direção. Ficou sem fala por uns quinze minutos e depois balbuciou: “E ainda bebem Skol!!”. Então os rapazes começaram o aquecimento musical. Neste caso, consistia numa caminhonete super-equipada com alto-falantes poderosos, onde um cabo longo de eletricidade vai buscar energia no interior da casa. Foi aí que Seu Irineu começou a desconfiar que o carnaval estava mudado. Ele, esperando marchinhas carnavalescas, ouviu, num som ensurdecedor, mesmo com janelas e portas do apartamento fechadas, graciosas canções de Ivete Sangalo e Tati Quebra-Barraco. Havia aquela que falava de estar “atoladinha”. Havia a outra que falava de querer fornicar com o marido da vizinha. Havia a que versava sobre dar tapas nas partes pudendas femininas. Seu Irineu não entendia como era obrigado a suportar o volume e o mau-gosto. Ele atribuiu tudo aquela gangue de filhinhos de papai em particular e pediu para ir logo ver os blocos.
Fomos com ele para a rua central. No caminho, uns rapazes perguntaram se o “idosinho” comia as “idosinhas”. Seu Irineu, que é uma fera, queria matar os rapazes e proferiu uma série de impropérios sobre as genitoras dos meninos. Num edifício chique mais adiante, dois meninos divertiam-se em jogar água nos passantes, duma sacada. Ao chegarmos na rua central, Seu Irineu depara-se com a seguinte cena: carros estacionados ao longo da rua, com seus capôs abertos, respeitando uma distância regulamentar, cada um tinha seu cabo longo de eletricidade e comandava o seu som particular. Os amigos de um carro em particular, meninos e meninas, ficavam na volta dele, bebendo cerveja Skol. Os meninos dançavam com outros meninos ou sozinhos e as meninas idem. O hit do momento seria então a “Melô do Créu”, em que a coreografia representa uma ação sexual, incentivada pelo cantor, que canta basicamente o seguinte: “Créu, créu, créu, créu”, na parte um, na parte dois e no estribilho. Para Seu Irineu, amante da boa música, aquilo era a visão do inferno. Pensei em determinado momento que o velho fosse vomitar.
- E os blocos? – perguntava ele, aflito...