A mãe e o roubo

Ao retornar da praia tomou um susto. A casa arrombada pelos fundos. O choque é tremendo e a desordem total. O silêncio provoca delírios de interpretação. Voa a imaginação sem bases sólidas. O ladrão se oculta numa ação desencadeada sem reação no tempo e no espaço. São quadros fora da parede (corria atrás de cofre, indício de estranho que não conhecia a casa), gavetas violadas, roupas estripadas, papéis arremessados à desordem do mal. Havia champanhe de má qualidade degustada sobre a mesa além do cheiro agônico de urina no carpete da varanda. Ladrão irrompe os limites do real, atravessa as paredes do incógnito mundo fantasmal, escapa de útero rasgado a fórceps. Revirado um mundo que o reduzirá a cinzas no próximo olho mágico, pelo poder da lógica, poderoso instrumento da razão na qual teve acesso limitado e extremo, vem a policia. Tudo é precário. Somente a coragem lhes confere a honra militar. Pobre milícia. Sua ação é um feixe de nervos. O paradoxo agudo da situação.

- A gente prende em flagrante, mas o advogado vem e solta. O bandido sai pela frente. Rindo. Colocam a nossa vida em risco.

É estranho e visível o abalo moral da tropa.

No champanhe decerto as digitais do meliante estavam firmes. Na esquina o guarda-noturno, destemido, tem interesse no caso. Herói anônimo não autorizado. Proibido de arma e apito. Defende o patrimônio alheio durante as madrugadas de frio com passos decididos.

Foram-se algumas jóias, algumas roupas de inverno, todos os perfumes. O talão de cheque fora reencontrado dias depois numa tentativa de saque no município vizinho. Por excessivo valor da ambição devolvido. Cheque nominal, depositado em conta, mas ninguém sabe de quem. O banco informa ao investigador que por sua vez precisa de autorização do foro para averiguação detalhada. Aos poucos o caso parece receber a forma de geração espontânea, mesmo com a evidência nominal. Ficamos entre duas angústias. Fermentando suspeições que aos poucos caem por terra.

Depois o escrivão surgirá com a intimação. Os declarantes terão que se apresentar em audiência no fórum para repassar novamente todos os dados recolhidos. Confessar que a tese da geração espontânea é absolutamente improcedente. Decido crer na força da lógica. Mesmo sabendo que há tão pouco interesse no ensino dessa matéria em nosso infantil mundo de cartas. Procuro o endereço da mulher que consta no cheque. Trata-se de nome conhecido nessa cidade vazia e boa. Encontro um de seus filhos que retorna a ligação perguntando o que estou fazendo com o talão de cheque da mãe dele. Explico-lhe que o talão não é dela e que consta o seu nome no meu talão com assinatura falsificada grosseiramente. Por fim ele reage declarando ter negociado um gerador elétrico com... Não sabe o nome. Que o nome da mãe está ali porque possui conta conjunta... O nome da mãe, a conta conjunta, o gerador elétrico...