A dor da gente não sai no jornal
Veio-me à lembrança o refrão do samba cantado por Chico Buarque sobre o trágico desfecho da história de amor da Joana de Tal e do tal João. Desfeita a relação, a Joana de Tal tenta pôr fim à vida, sem sucesso. Depois de medicada, ela volta para casa e percebe que o lar não mais existe: a relação com o João terminou e não se volta ao que acabou. Na música Joana e João são dois seres humanos semi anônimos, sem sobrenome, endereço fixo ou qualquer outro detalhe que os diferencie na multidão. O refrão-conclusão é memorável “A dor da gente não sai no jornal”.
Vi duas mulheres, de mãos dadas, chorando no saguão de um hospital público. Era um choro silencioso, resignado, uma amparando a outra no preparo da mente para algo que o inconsciente provavelmente já havia constatado. Pessoas passavam, percebiam, seguiam em frente. É compreensível: além de ser uma cena íntima, relativamente comum, há dores tão particularizadas que não podem ser repartidas com estranhos, ainda que solidários...
Pensei em todas as dores que já experimentei, algumas com final feliz, outras com desfecho mais trágico. Das perdas irreversíveis dos meus pais, avós e sobrinha muito queridos, até a meningite, felizmente curada, da minha filha, cada dor nos proporciona um diferente aprendizado. Na acepção original, crise – krinein – significa decidir. Desprendimento, esperança, otimismo, desejo de desfrutar com plenitude cada dia são decisões conscientes oriundas dos momentos de dor e sofrimento...
São as dores da desilusão do amor desfeito que nos preparam para sermos pessoas mais inteiras, menos dependentes do outro para alcançarmos a felicidade. Só quando descobrimos que a expressão cara-metade é pura retórica, damo-nos a chance de viver relações verdadeiras, sem as amarras da dependência e da idéia romanceada de que o outro precisa nos completar em tudo. Haja responsabilidade para tanta imaginação!
As decepções com pessoas amigas ou que assim considerávamos nos tornam mais fortes, capazes de perceber as próprias limitações e as limitações do outro. Nesta hora, portanto, somos capazes de perdoar os próprios erros e as falhas dos que nos rodeiam.
Infelizmente, não nascemos sabendo tudo isso e é só através do tempo, da dor e da elaboração do sofrimento que nos tornamos mais sábios e tolerantes: este é o encanto-compensação para a ação do tempo sobre o ser humano.
Está explicado o refrão do samba: como jornais não tratam de coisas alegres e felizes, não podem também tratar das nossas dores necessárias. Mas uma coisa é certa: o ser humano tem vocação para a alegria. Aposto como a Joana de Tal nem se lembra mais do tal João, feliz como ela deve estar no seu novo lar....