A ENTREVISTA: FRAGMENTOS DE UMA VIDA PROFISSIONAL

Essa semana que passou, na aula de técnica de entrevista, os futuros jornalistas da Universidade do Estado Rio Grande do Norte tiveram uma aula prática – não entrevistando alguém da mídia –, mas escolhendo entre si, quem seria entrevistado pelos demais. Por um consenso da turma, o papel de entrevistado foi dado a mim. Não foi unânime. Ainda bem.

Confesso que no início não me senti muito a vontade com as perguntas elaboradas – que tratavam da minha vida profissional: desde o primeiro emprego até os dias atuais – porém, com o passar das perguntas, fui ficando a vontade e até caminhei por entre lembranças: algumas prazerosas de reviver, outras nem tanto.

Desfilei, em minhas respostas, pela fábrica de mosaico mokatan, da Rua Rui Barbosa, onde ainda menor de idade, ficava anotando os pedidos e os encaminhava para o pessoal que produzia o produto. Porém, a maior parte do tempo eu ficava lendo. Era o tempo e espaço ocioso mais bem aproveitado que eu gostava de ter. Dali para frente, eu me vi entre tijolos e casas em construções: tempos difíceis onde quaisquer trocados eram bem vindos e até minimizava os efeitos de um dia debaixo do sol, carregando a alvenaria necessária para se fazer uma moradia. Ainda trago o orgulho de ter contribuído para abrigar famílias ainda sem moradia própria, quando da construção das casas populares da cidade do Açu.

Nas profissões exercidas ao longo dessa trajetória, a que trabalhei no Esporte Clube Sírio, foi a que mais me emocionou ao falar: ainda novo, recém chegado a São Paulo/SP, passei a conviver com o mundo das estrelas do esporte brasileiro, da época: Oscar “mão santa” – no basquete – foi um deles. Gilmar dos Santos Neves – goleiro da seleção brasileira de futebol, nos de 58, 62 e 66 – foi outra legenda. Foram anos de aprendizado e vida dura, onde a saudade da terrinha era constante e a vontade de pisar o chão quente e árido do sertão, acompanhava os passos do nordestino, em pleno céu das terras do “sul”.

Porém, antes de voltar para as caatingas do agreste potiguar, ainda me fiz escrevente de revista de esportes e ensaiei debutar em uma agência de publicidade – por pouco tempo, claro. No entanto, esse escasso tempo me deu a oportunidade de conhecer um pouco melhor de como se fazia uma parceria com a iniciativa privada – lançar seu produto e a estratégia de sua divulgação – através da veiculação na mídia.

Lá para as tantas, a entrevista tomou ares de cunho pessoal, pois alguns colegas – a maioria ainda sem nenhuma experiência profissional e com uma idade recém saída da adolescência – desviaram o rumo das perguntas para detalhes particulares, tipo época da ditadura e como nós agíamos diante do contexto social. Foram lembranças fortes de um quartel militar, várias incursões clandestinas de militantes – e não militares – todas em busca de desestabilizar a ordem imperante do regime. Sofremos com os estampidos que ecoavam nas noites escuras a busca daqueles que corriam em ziguezague, fugindo da forte recepção com que eram recebidos no interior do núcleo, em meio ao zunido dos projeteis. E éramos obrigados a criar novas represálias para esses visitantes, escolhendo armadilhas cada vez mais sofisticadas e lesivas, embora, muitas vezes, alguns inocentes pagassem por erros praticados em meio à confusão que nossas mentes, todas em estado de lavagem cerebral, obedeciam aos comandos da mãe pátria.

Não faltou a curiosidade sobre o tempo dedicado ao sistema bancário. Foi lá que vivenciei a face cruel de um dia de cão: fomos reféns de uma tentativa frustrada de assalto a agência e, conseqüentemente, aos desmandos de uma mente que oscilava entre o que viera fazer ali e a falta de alternativas, diante do fracasso, para se equilibrar dentro da racionalidade do ser humano.

Quando retomamos o cerne da entrevista, chegamos ao estágio atual da minha vida profissional: educador. De todas as profissões exercidas é a que mais me dá prazer de falar e a qual me orgulho de exercer. Repassar conhecimentos e procurar – mesmo sendo de grão em grão – contribuir para uma sociedade melhor, mais esclarecida, uniforme e justa, é o meu sonho e o sonho de todos aqueles que se propuseram a enfrentar as diversidades de uma profissão não tão valorizada, mas que representa o caminho natural para se chegar ao pleno exercício de sua cidadania. Alie tudo isso aos valores morais, a probidade pública que a sociedade deve ter e encontraremos o sentido para continuarmos a praticar, com orgulho, o bê-á-bá que nos torna seres coerentes e inteligentes.

Como o tempo estava exaurido, os caros colegas anotaram suas resenhas sobre o entrevistado e deu-se por encerrado mais uma aula prática do curso de comunicação.








Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 02/03/2008
Reeditado em 04/12/2011
Código do texto: T883623
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