Por linhas tortas

A TURMA é interessada e perspicaz: alguns são velhos companheiros do Hospital Militar. Após um ano, com dedicação em período integral, eles se formarão tecnólogos em segurança pública, transitando bem entre preceitos legais, técnicas militares e de gestão.

O DESAFIO é ajudar subtenentes destaques da corporação a migrarem do papel de liderados, no qual foram treinados por muitos anos, para se tornarem líderes de média-gerência. A ponte para o oficialato exige muito mais do que conceitos teóricos. Há que promover o desenvolvimento de habilidades e atitudes, redirecionando o pensamento focal para sistêmico.

A ATIVIDADE de aquecimento para cada aula visa despertá-los do status quo, através do sentimento e raciocínio. Gosto de testar recursos: música, pesquisa individual, textos jornalísticos, poesia... Na última aula, escolhi o curta de Jorge Furtado, A Ilha das Flores, filme que lança mão da trajetória de um tomate para retratar a desigualdade na sociedade de consumo. O objetivo era discutir o papel da qualidade e produtividade no mundo capitalista.

OS VERSOS de Cecília Meireles que encerram o filme – “Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda” inspiraram o grupo, catalisando a discussão. A dinâmica da sala de aula exige jogo de cintura e paciência: nem sempre as coisas saem conforme o planejado.

A DISCUSSÃO concentrou-se no significado de liberdade. Não intercedi: discutindo o comportamento humano, indiretamente também abordávamos eficiência, planejamento tático, qualidade, conceitos curriculares que cabem a mim introduzir. O grupo correlacionou a liberdade com a tomada de decisão, responsabilidade, capacidade de fazer escolhas acertadas. Muito além da conceituação óbvia, discutiram a interdependência da independência. Refletiram que os caminhos para a conquista da liberdade são tortuosos e escondem muitos desafios. Alguém comparou a liberdade plena ao estado de nirvana. Sem o saber, re-elaboraram conceitos filosóficos. Quase pude escutar o brado FREEEEEDOM do filme Coração Valente.

Surpresa, refleti como o homem é avis-rara: basta lhe divisar uma pequena abertura para que ele encontre caminho para vôos em céu aberto. É um grande privilégio, ainda que por linhas tortas, tomar parte no processo de descoberta-aprendizado.

No fim da aula, uma aluna quis assegurar que eu compareceria à formatura deles, em dezembro. Claro que estarei lá: sei, de antemão, que por linhas retas e tortas chegarão, cada um, ao destino almejado.

Maria Paula Alvim
Enviado por Maria Paula Alvim em 02/03/2008
Reeditado em 03/03/2008
Código do texto: T883479
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