Copas do Mundo
N. A: Estou escrevendo estas linhas confiando na minha velha e já cansada memória.
Se algum dia, alguém entendido em futebol escrever algo sobre Copas do Mundo, jamais poderá esquecer que a paralisação dos 12 anos da disputa, motivada pela 2a Guerra Mundial, afetou mais de perto a três países: Itália, Brasil e Argentina.
A não realização do campeonato mundial deixou quase anônima, uma infinidade de grandes craques.
A Itália de 1934, de Combi, Manzelio e Alemandi; Ferrari II, Monti e Bertolini; Guaitá, Meazza, Schiavo, Ferrari IV e Orsi. E, em 1938, voltou a ser campeã e dessa equipe acima, apenas Meazza e Ferrari IV jogaram. Formava com: Olivieri, Foni e Rava; Andreolo, Sarantanio e Locateli; Biavati, Meazza, Piola, Ferrari e Colaussi. Com todo esse potencial e mais grandes jogadores que estavam surgindo a Itália seria uma grande força dentro de uma competição, embora se essa fosse realizada seria na América do Sul.
Quanto ao Brasil, que vinha de uma Copa de 1938 fortalecido pela boa campanha e com um grande plantel, dos craques de 38 apenas Martins, Jaú, Nariz, Patesko, Romeu que em breve estariam parando, os demais jogariam por muitos anos e o mais importante, uma grande safra estava surgindo. Craques como Oberdan, Norival, Florindo, Biguá, Rui, Danilo, Jaime, Noronha, Dino, Pedro Amorim, Lima, Lelé, Isaias, Jair, Pirilo, Zizinho, Ademir, Heleno, Tesourinha, Cláudio, Servílio, Adãozinho, Bauer, Remo, Mauro, Nilton Santos, Djalma Santos, Simão, Barbosa, Baltazar, Friaça, Maneca, Augusto, e muitos outros.
O Brasil de 1938 a 1950 teve tantos bons jogadores que podia formar seleções imbatíveis se não fosse o bairrismo que sempre imperou. Em 1938, Ademar Pimenta levou Niginho, que jogava no Bolonha da Itália e não podia participar da Copa, deixando no Brasil Teleco, do Corinthians, artilheiro dos campeonatos paulistas de 36, 37 e 38, e Carvalho Leite, grande centroavante do Botafogo e artilheiro nato. Conclusão, contra a Itália, com Leônidas contundido, Pimenta não tinha centroavante para escalar. Depois de Ademar Pimenta veio Flávio Rodrigues da Costa, que pegou a melhor época do futebol brasileiro e nada conseguiu ganhar, a não ser um inexpressivo Sul-americano de 1949, no Rio, depois de perder na semifinal do Paraguai e na decisão ganharmos dos mesmos paraguaios de 7 a 1. Inexpressivo por que a Argentina não participou e o Uruguai mandou a equipe juvenil comandada pelo veterano Castro, com quase 40 anos.
Apesar do Flávio Costa, o Brasil formou em 1945 a melhor seleção de todos os tempos de jogadores normais. Entre os jogadores normais, não poderíamos incluir Pelé e Garrincha: Oberdan, Domingos e Norival; Biguá, Danilo e Jaime; Tesourinha, Zizinho, Heleno, Jair e Ademir.
Veio a Copa de 1950 e o senhor Flávio Costa, com enorme material humano na mão, conseguiu perder a final no Rio de Janeiro. Outra vez o bairrismo imperou e Mauro, do São Paulo, e Simão, da Portuguesa, foram esquecidos. Eles que um ano antes foram as revelações do Sul-americano de 1949. Deixou de convocar os melhores pontas-direitas da época, Cláudio e Tesourinha, para colocar Maneca na ponta direita, ele que era meia esquerda no Vasco. Em São Paulo, contra a Suíça, precisou jogar Alfredo de ponta, ele que era reserva de lateral esquerdo no Vasco. Nesse período de nossa história futebolística, sempre imperou a política de dirigentes, deixando de lado o interesse do Brasil. Quanto a eu ter mencionado que a seleção de 1945 foi a melhor de todos os tempos, baseado em relatos e declarações de alguns jogadores que viveram aquela época.
Durante a realização do campeonato mundial de 1978 na Argentina, eu ouvi por uma rádio argentina uma mesa redonda, com vários ex-jogadores famosos e também o cronista José Maria Munhós, que afirmavam que Domingos da Guia, Danilo, Zizinho, Heleno e Carreiro jogariam em uma Seleção Sul-americana de todos os tempos. Labruna, Nestor Rossi e Carrizo davam autenticidade a essas declarações por terem jogado inúmeras vezes contra os brasileiros e para provar isto eles afirmavam que a partida Argentina e Brasil, na decisão do Sul-americano de 1945, foi um dos maiores jogos deste século na América do Sul, devido à vasta constelação de astros que desfilaram naquela oportunidade em Santiago do Chile.
O Brasil com Oberdan, Domingos e Beliomini; Biguá, Danilo e Jaime; Tesourinha, Zizinho, Heleno de Freitas, Jair da Rosa Pinto e Ademir de Menezes.
A Argentina de Vaca, Salomon e De Zorzi; Sosa, Peruca e Colombo; Munhós, Mendez, Pedernera, Pontoni e Lostau. Nesse prélio o Brasil perdeu de 3 a 0 e mais uma vez o senhor Flávio Costa provou que o bairrismo falava mais alto e colocou em campo o médio Jaime de Almeida, contundido, para marcar o perigoso Mendez, que bem marcado já seria um tormento, imaginem com liberdade. Resultado: perdemos com três gols de Mendez. Enfim, tivemos de 1930 a 1950 uma safra riquíssima de craques, mas brigas entre Federações estaduais sempre enfraqueceram a Seleção do Brasil e pouco ou nada ganhamos, apesar da grandiosidade do nosso futebol.
Quanto à Argentina, também sempre viveu de agitações no seu futebol. Se o jogador argentino sempre foi um dos melhores do mundo, por outro lado, política e falta de organização pouco ou nada fizeram para que a Argentina fosse uma grande vencedora.
Vice-campeã em 1930, no Uruguai, com Botasso, Pasternoster e Della Torre; Evaristo Monti e Suárez; Varallo, Peucele, Stábile, Ferreira e M. Evaristo encabeçavam uma época farta de grandes jogadores, os confrontos com os brasileiros em Sul-americanos e Taças Roca eram as oportunidades de avaliar a riqueza do futebol portenho – grandes seleções, grandes times que encantavam a todos, como em 37 de Bello, Fazio e Iribarom; Sastre, Lazati e Minela; Varallo, Della Mata, Barnabé Ferreira, Peucele e Garcia, ou a de 38 com Gualco, Coleta e Montanhês; Sperom, Minela e Ramos; Tessoni, Pedernera, Massantonio, Moreno e Garcia, ou a de 1940 de Strada, Salomon e Valussi; Fonda, Peruca e Strembel; Arrieta, Cassam, Baldonedo, Massantonio e Garcia ou ainda a de 1942 com Gualco, Salomon e Sobrero; Fonda, Peruca e Batalheiro; Martino, Moreno, Pontoni, Della Mata e Lostau. Foi um manancial de craques que não tinha fim.
Havia grandes jogadores argentinos esparramados no mundo inteiro e no Brasil, todo bom time tinha um ou mais argentinos fortalecendo sua equipe. Houve uma época em que todo centro médio de um grande time tinha de ser argentino. Figliola, no Vasco; Santamaría, no Fluminense; Volante, no Flamengo; Papeti, no Botafogo, Spineli, no América (RJ); Ayala, no Santos. O que poderia eu acrescentar mais sobre os times argentinos:
O Boca de Vaca, Marantge e De Zorzi; Fonda, Castelhani e Pescia; Boié, Martinez, Sarlanga, Corcuera e Pim.
O River de Carrizo, Vaghi e Ferreira; Iacono, Nestor Rossi e Ramos; Reis, Moreno, Pedernera, Labruna e Lostau.
O San Lorenzo de Blazina, Zubieta e Basso; Sosa, Mamana e Berterrame; Martino, Farro, Unate, Silva e Lepizcopo.
O Racing de Manoel Rodrigues, Higino Garcia e Garcia Pérez; Sanches, Rastelli e Gutierrez; Salvini, Mendez, Bravo, Simez e Sued.
Grandes quadros que marcaram a sua passagem pelo futebol mundial com letras maiúsculas. Quando se aproximava a Copa do Mundo de 50, que seria jogada no Brasil, o governo de Juan Domingo Perón interveio no futebol e acabou com o profissionalismo, como era praticado até então. Nessa mesma ocasião, a Colômbia criou uma liga independente e para lá foi a maioria dos grandes jogadores argentinos. O Milionários, de Bogotá, formou um dos maiores times do mundo, com a maioria de argentinos, peruanos, paraguaios. Também América de Cali, Nacional de Medellín e os demais times colombianos eram formados por estrangeiros. A Argentina foi a grande ausente na Copa do Mundo de 1950, que a falta de seriedade de nossos dirigentes entregou de mão beijada para a envelhecida Seleção do Uruguai, que um mês antes havia sido derrotada pelo Brasil de Pelotas, por 2 a 1 .
E voltando à Itália, que amargou na carne a tragédia do conflito mundial. Quando estava se recuperando na parte do futebol, uma nova tragédia ocorreria: o Torino, maior equipe da Europa da época, quando voltava de Portugal onde fora participar da despedida do jogador Francisco Ferreira, é vitimada pelo pavoroso desastre de Superga, enchendo de luto Turin, a Itália e o mundo. Em termos futebolísticos, se a Itália pudesse contar com os jogadores do Torino, mais Sentimenti IV, Blasom, Amadei, Capelo, Carapelesse, Pandollini, Anovassi, Parola, Boniperti, Mucineli, Fatori, Remondine, Campatelli, Moro, poderia ter feito uma grande figura em 1950.
Quanto ao Brasil e à Argentina, os maiores inimigos sempre estiveram dentro dos dois, pois quando um pouco de bom senso imperou, grandes conquistas vieram porque bons jogadores nunca faltaram.
17/outubro /1991