Grilhões da Vida

Hoje fui ao meu amigo e cabeleireiro Deonízio.

Senhor já de seus 69 anos, mas ainda atendendo muita gente e como sempre com muita atenção.

Há muitos anos freqüento e uso seus serviços.

Estávamos a conversar sobre o cliente que anteriormente fora atendido e que há pouco havia saído.

Comentou o meu amigo que era uma pessoa muito lutadora. De uma família simples, mas com muita vontade de luta. Estava agora muito bem e recentemente havia nascido seu primeiro filho, e que, seria o único por opção, já que almejava maior conforto social para o novo cidadão do mundo.

O pai dele, também fora um cliente do Deonízio.

Havia sempre trabalhado na Mercedes Benz, em São Bernardo do Campo. Com o seu trabalho pode durante praticamente toda a vida dedicar-se à família, criar os filhos, enfim, fazer o que todo cidadão comum normalmente faz.

O Deonízio sempre o teve como uma pessoa muito equilibrada, mas me confessou estar um pouco decepcionado.

Somente há pouco o meu amigo veio a refletir sobre as palavras que ele pronunciara na última oportunidade que se viram.

Dizia e repetia: "Você é que deve ser feliz!"

Ele, provavelmente achava que os outros é que eram felizes naquilo que faziam ou que se ocupavam.

Muito provavelmente estava um pouco desorientado pois, recentemente a empresa o convidou para se aposentar, eis que já tinha tempo suficiente de dedicação e trabalho.

O resumo é que, nesse dia, o filho, perguntado pelo pai, informou que o mesmo havia se suicidado.

Em minha mente ocorreu um monte de coisas, apesar de que não conhecia ambos, mas de certa forma me senti muito apiedado daquela alma, e me comoveu o fato e fiquei incomodado a refletir do porque desse ato tão desequilibrado.

Fiquei a imaginar o quanto se dedicara e quantos fatos durante o trabalho lhe ocorrera, quantos amigos e porque não também inimigos tivera, enfim, sucessos e fracassos, alegrias e tristezas, gente que vinha e outros tantos que partiam.

Enfrentara greves nos bons tempos em que o sindicato dos metalúrgicos do ABC era a classe mais poderosa que representavam os trabalhadores, e com essa mesma fúria afugentaram as empresas automobilísticas.

Em um outro tempo, talvez esse fato desse muita conversa, mas, não é esse também o caso, o mundo hoje é outro.

Imagino que uma pessoa desta, tinha no emprego a sua mais importante referência de vida. O trabalho significava o amor, a empresa, o primeiro lar. "Vestia a camisa da empresa", como se diz nos jargões populares. Uma pessoa como essa deveria ter ajuda antes de sair para o período de descanso do trabalho. Numa entrevista de preparo para a nova vida, talvez pudesse ser identificado algum distúrbio e, possivelmente ter evitado a extrema decisão.

A mente humana esconde surpresas que a razão, por mais que busque, não entende. As empresas devem atentar para esse momento, talvez com mais preocupação do que quando elegem um colaborador para o trabalho.

Paul Tsongas, senador e candidato a Presidente dos Estados Unidos, declarou certa vez: "Nobody on his deathbed ever said: I wish I had spent more time at the office" (Ninguém no seu leito de morte teria dito: Eu desejaria ter gasto mais tempo no escritório!)

Mas parece que a frase admite exceção. É difícil imaginar o quanto a ruptura de um cotidiano afeta o equilíbrio de uma pessoa.

Tantos querendo viver, e não tem tempo para aproveitar a beleza do dia nascendo, o sol se pondo, a lua despontando na noite, os sons da natureza, enfim, com um mundo enorme a frente e ainda bons momentos para viver, e agora sem as obrigações que lhe tolheram o seu tempo, a mente lhe impõe cobranças que só suas razões poderiam explicar.

Um dos mais interessantes estudos de Sociologia voltados a esse fenômeno social, foi elaborado por Émile Durkheim, sintetizado no seu livro “O Suicídio”, publicado em 1.897.

Nesse trabalho, ele escreveu: “o fenômeno que se trata de explicar só pode ser devido a causas extra-sociais de grande generalidade ou a causas propriamente sociais. Indagaremos em primeiro lugar qual é a influência das primeiras e veremos que ela é nula ou muito restrita.

Determinaremos em seguida a natureza das causas sociais, a maneira pela qual produzem seus efeitos e suas relações com as situações individuais que acompanham os diferentes tipos de suicídios.

Feito isso, teremos mais condições de definir em que consiste o elemento social do suicídio, ou seja, quais são suas relações com os outros fatos sociais e porque meios é possível agir sobre ela.” (O autor).

Como estudos extra-sociais, ele escreveu sobre os estados psicopáticos, psicológicos normais, a raça, a hereditariedade, fatores cósmicos e a imitação. Como fatores sociais, identificou o suicídio egoísta, o altruísta, o anômico (crises econômicas) e os relacionados com fatos morais ou imorais.

O que podemos depreender é que os fatos sociais se associam fortemente à esse fenômeno, e devem ser objeto de muita atenção dos gestores, com ênfase aos que tratam de recursos humanos.

Até que ponto uma empresa exerce tanta influência na vida de uma pessoa, lhe impõem cobranças e com o passar do tempo lhe atribuem as algemas psicológicas que isolam o cidadão do seu convívio normal, o afastam da família, o tornam o que hoje denominamos através do neologismo “workaholics”.

Hoje as empresas mostram mais preocupação com líderes, que apresentam bons resultados, mas que tenham também um lado humano. Sempre existe uma grande preocupação com líderes, enquanto o fenômeno, na verdade, ocorre em todas as camadas da sociedade, e portanto também no “chão das fábricas”.

O filósofo Sêneca no seu trabalho “Ad Paulinum de Brevitale Vitae” narra a história de um cidadão conhecido por S. Turanio, de comprovada dedicação ao trabalho. Afastado do seu cargo de “praefectus anyonae” por César, após completar noventa anos de idade, ordenou à sua família que o colocasse em sua cama e o pranteasse, como se ele tivesse morrido. O lamento pelo seu ócio e tristeza não terminou até que ele foi reconduzido ao seu cargo. A história de S. Turanio ilustra o comportamento de milhares de profissionais, que fazem do trabalho a sua única razão de ser e de viver. São eles conhecidos como os workaholics corporativos.

O workaholic não deve ser confundido com aquele profissional que trabalha duro, mas com aquele que gradualmente se torna mutilado psicologicamente, obcecado pelo poder e que persegue a aprovação dos que o cercam na forma de sucesso, a qualquer custo. O workaholism é uma realidade em nossas empresas. A sua prática é tão perversa quanto o alcoolismo ou qualquer outra forma de dependência. Ele coloca em risco a saúde dos indivíduos, o ambiente familiar, cria desconforto nas organizações e, muitas vezes, não produz satisfação. São os homens correndo com medo deles próprios e de seus problemas, quase sempre em nome do poder. O preço é altíssimo. O trabalho é uma virtude; o ócio um vício. Quando os homens perdem a dimensão e a noção dos limites, eles acabam por se auto-destruírem.

O momento de “vestir pijamas” é tão importante, que o preparo pode exigir muito tempo.

As pessoas que passaram uma vida inteira atrás de uma escrivaninha ou pilotando uma máquina operatriz, dirigindo um veículo, ou exercendo qualquer atividade econômica, devem se dar conta de que esse tempo de descanso virá, e não poderá ser entendido como um ócio e sim um tempo para ocupar-se de afazeres mais voltados ao seu próprio prazer.

Nem todos tem a capacidade de elaborar esse momento, e assim, necessitam de uma ajuda para que suas atitudes não sejam, muitas vezes extremas, que possam levá-lo ao suicídio.

Eu desejo a todos os que, em momentos de fraqueza, tenham pensado um dia em atentar contra a própria vida, que olhem ao lado e verão em um mínimo detalhe que viver é a única coisa que vale a pena, não importa como, e mesmo que, por mais premência que tenhamos em nossa efêmera passagem por esse nosso único e belo planeta, a vida explode como um privilégio de cada um de nós.

Pois, então, gente, meus poucos cabelos até que ficaram simpáticos... mais um tempinho e o “rodapé” estará necessitando de mais uma visita ao meu amigo Deonízio.

Papai, que bem me lembro, como eu, tinha também só o “ganha pão do cabeleireiro”, dizia gostar quando estavam crescidinhos, pois assim diziam que ele estava cabeludo...

Espero que nessa próxima oportunidade as “conversas de salão de barbeiro” sejam mais amenas, ou ensejem temas mais alegres, quiçá até para mais uma abordagem nesse nosso recanto.

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No dia 18/12/2012 meu sobrinho resolveu por fim na sua vida.

Tinha 29 anos. Encontramos seu corpo no dia 31/12/2012 e o sepultamos no dia 01/01/2013. Muito triste para toda a família.

Ele estava em tratamento para cuidar de depressão. Havia sido afastado recentemente do emprego para cuidar-se. Dizia se envergonhar de sua doença. Sair de casa e levou todos os medicamentos controlados. Antes falou com sua mãe, sua namorada e com seu médico por telefone.

Ficamos todos sem ação e estupefatos com essa atitude dele, jamais esperada. Nos sites de relacionamentos pode ser verificado o carinho que tinha de todos. Os vários depoimentos demonstramo quanto esa querido. No entanto, se foi deixando-nos aqui impotentes e tristes, muito tristes...

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Abaixo transcrevo um link de texto de Fábio Reynol sobre o tema.

Link:

http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=suicidio-no-brasil&id=5498

26/07/2010

Terceira causa de morte, suicídio é negligenciado no Brasil

Fabio Reynol - Agência Fapesp

Não salvem só as baleias

MARCO ANTONIO PEREIRA
Enviado por MARCO ANTONIO PEREIRA em 01/03/2008
Reeditado em 18/01/2013
Código do texto: T882707
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