Amém, Mainha, Amém
Alô, mainha? É claro que sou eu! A ligação tá ruim, mas tá indo! Cheguei bem, sim. Claro que é lindo, ué! Você achou que eu não sabia escolher? Esquece o painho, um cabeça dura, isso sim. Um dia painho perdoa, um dia painho esquece. Vendeu o mano sem choro, ninharia, nem por isso crucifiquei o coitado. Tá, tá, esquece ele e vamos falar de mim. Avião? Chique demais! Agora, o banheiro é apertadinho que só vendo, aquele negócio de filmes, sabe, de sacanagem no avião, só pode ser mentira. Sacanagem é fazer em pé, no meio do baile, como a Juriscleide faz. Respeitar a minha irmã? O cacete! Aquilo é uma ingrata.
Comi, mainha, comi. Sei lá o que era. Vinha pouco, mas tava quentinho, tinha até pão com manteiga, mas bem miudinho. A moça do cabelo engomado, com cara de brava, disse qualquer coisa e eu apontei o pratinho. Dá pra entender nada, não. Mas um dia eu falo essa língua, mainha, você vai ver, meu sonho. Dormi pouco, quase nada. Nem queria, o homem do meu lado tinha cara de doido, bem barbudo, gordo, olhava minhas coxas de tempo em tempo. Tinha que ficar esperta, né? Correr pra onde?
Ah, tá, a culpa é minha agora, mainha? Bacana viaja de avião de roupa nova? Sou brasileira, mainha, nasci com calor, suada, sambando, agitando a vizinhança, suada demais. Como assim, voltar? Sei lá, aqui é um sonho, limpinho, pessoal caminhando de madrugada, sorrindo pra você, quero voltar, não. Tem gente que olha com cara de apaixonado, mas não tem nada, não, até gosto, dizem que é da cultura, povo com amor pra dar.
Preciso desligar, mainha. A fila já cruzou o corredor. Não entendo nada, não, mas fila não tem o que entender, ué, igual em qualquer canto do mundo! Ninguém gosta, só brasileiro, né? Fica com Deus, beijo pro painho, bom, deixa pra lá, melhor não. Fica em paz, com a benção do nosso Senhor Jesus Cristo. Amém, mainha, amém.
Desligou o telefone, ajeitou o fio dental, cuspiu o chiclete de morango, subiu no palco e pensou em painho.
Um dia ele perdoa, um dia ele esquece.