FIDEL E A CAPA DA REVISTA VEJA

A imprensa não é, e nunca foi, o que pretendem alguns jornalistas e muitos leitores. Refiro-me, nesse caso, a jornais e revistas, porém vale para rádio e televisão, quando se trata de que lado ficar. Sempre foi assim, desde o fim do império luso brasileiro, pelo menos. Jornais a favor e jornais contra; jornais defendendo grupos e grandes interresses. Jornais defendendo idéias e ideologias; outros atacando. Discutir se uma revista (ou jornal) está certa ou errada por defender o lado que escolheu é inútil; discordar, porém, é um direito. A questão aqui, todavia, deixa de ser essa e passa a ser de outra ordem; da ordem que vai além da ética e beira a da grosseria com inverdades. Existem revistas de alcance mundial. A lista não é grande e quase todas são bem conhecidas. Outras são igualmente importantes mas não saem das fronteiras de seus próprios países. A revista Veja é uma delas; entre as revistas semanais é a de maior tiragem e por isso ganha enorme importância na imprensa brasileira e na (in)formação de seus leitores. O lado que a Veja escolheu apoiar é conhecido e nem por isso ela perde seu valor e sua importância; e concordar ou discordar de suas matérias não passa de um exercício de opinião. É pura grosseria o título da capa dessa última edição, Já Vai Tarde, sobre fundo preto com o recorte do perfil de Fidel Castro. Pior, segue a baixo o texto “o fim melancólico do ditador que isolou Cuba e hipnotizou a esquerda durante 50 anos.” Ora,não há nenhum “fim da trajetória” e muito menos ainda “melancólico”. Fidel Castro continua a pensar e a escrever e a influenciar na política de seu país, claro que de acordo com o que permite sua idade e sua saúde. Preparou cuidadosamente sua sucessão, como hábil político que é, para manter a ideologia que deu a Cuba seu status de país socialista e não mais o “play ground” dos Estados Unidos. Errou e acertou não mais e nem menos do que todo e qualquer presidente eleito ou ditador de um país.Em Cuba houve troca de comando, sem a morte do líder no poder e sem nenhuma revolta popular, sem nenhuma festa nas ruas.País isolado sim, mas por sucessivos presidentes dos Estados Unidos com um estúpido “embargo econômico” que mais atinge sua população do que seus governantes e sua elite; e elite é elite em qualquer regime político. Quanto a ter “hipnotizado a esquerda por 50 anos”, se não for um deboche não passa de uma asneira escrita por quem não tem nenhum conhecimento da história e da política desse meio século no planeta Terra; pode ser que o redator tenha estado a noroeste de Plutão esse tempo todo. Quem sabe!

E lá no alto dessa capa, o editor da revista ainda coloca o presidente Lulla sorridente no gesto teatral do “superman” e afirma: “Lula surfa nos bons números do capitalismo brasileiro.” Bem: se ele “surfa” – horrenda palavra – por que então a imagem do homem que voa? Isso porém não tem importância. O que interessa a Veja é demonstrar que esse Lulla dessa esquerda de hoje não tem nada a ver com o ditador cubano que já vai tarde. Que esse Lulla não é mais aquele que a própria Veja execrou com vergonhosas campanhas de descrédito e de desqualificação.

Aberta a revista, na matéria de capa, ainda há mais estultices: “Fidel: meio século de má influência sobre a América Latina”. Que influência é essa que a Veja ainda qualifica de má? Fidel Castro nunca exerceu influência nenhuma sobre nenhum país latino americano porque nunca desejou exportar seu regime político. Quem sonhava com isso era Che Guevara, um guerrilheiro por convicção e prazer que conhecia a maioria dos países da América do Sul e a miséria que vivia a população. Como médico marxista-leninista indignava-se com essa situação e deixou um alto cargo no Governo da Revolução para voltar à selva e a guerrilha em outros países.Tentou e não conseguiu porque na África as causas das lutas e os desejos dos povos são outros, que não apenas sócio-econômicos; na Bolívia faltaram camponeses guerrilheiros para lutar pela causa que ele acreditava ser a mais justa. Fidel Castro é apenas nacionalista e como declarou ao jornal O Globo em 1960 “... tinha a maior vontade de entender-me com os Estados Unidos. Fui até lá e expliquei nossos objetivos. Mas os bombardeios dos aviões americanos às nossas fazendas de açúcar, às nossas cidades, e as ameaças de invasão por tropas de mercenários e as ameaças de sansões econômicas constituem ameaças à nossa soberania nacional, ao nosso povo.”

Evo Morales, Hugo Chaves, Lulla,os mais conhecidos, e todos os demais presidentes dos países da chamada esquerda sul americana, não chegaram ao poder por “influência”, boa ou má, de Fidel. Não tomaram o poder, foram eleitos pelo povo. Não armaram a população com fuzis e ideologia. Distribuíram favores, fizeram composições; conquistaram as elites com as armas disponíveis no capitalismo e a população pobre com as migalhas do populismo. Cada um de acordo com as características de cada povo, de cada nação, sem nenhuma influência de Fidel Castro.

Em todo o mundo a imprensa divide-se e toma partido; levantam bandeiras, buscam influenciar a opinião pública e apóiam quem melhor lhes convém. Talvez isso seja um dos tantos e variados aspectos da democracia, impossível nas ditaduras, onde toda a imprensa serve a um único senhor. A capa da revista Veja não se enquadra em nenhum dos casos. É apenas a expressão grosseira do baixo nível ao qual estamos expostos com a banalização do deboche, da fraude,do roubo e de todas as outras formas de violência que, na maioria das vezes, nem percebemos a existência.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 29/02/2008
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