Coisas dos tempos modernos
Por: António Centeio
A Dona Carolina e a sua bisneta adoram andar nas grandes superfícies, quer passeando ou comprando o necessário como ainda vendo preços para saberem onde se vende os produtos mais baratos.
A primeira com idade um pouco avançada, já que nasceu na primeira vintena do século passado que até parece nunca ter existido para a segunda porquanto nos diálogos «a bota não bate com a perdigota». Daqui, talvez as razões nos desencontros de trocas de ideias.
Tempo livre é que não falta a ambas mesmo que a idade já pese um pouco para a Dona Carolina.
Vasculham pormenorizadamente tudo à minúcia não vá os «donos da casa» enganar quem vem das redondezas, porque aqui, onde residem, nem sempre o progresso chega tão depressa como na cidade. Até há quem julgue que os do «interior» são uma cambada de aselhas – nem sempre é bem assim.
A bisneta, uma moçoila que já sabe demais para a idade que tem, é uma ávida visitante da Internet, coisa que para a idosa é «algo de outro mundo». Quando anda nas «buscas» e conta com a companhia de quem lhe deu a mãe, o tempo é passado de espanto e gargalhadas.
Quer pelas novidades que a utilizadora mostra como do que a segunda diz advinda das coisas do «outro mundo» que a estar ali no monitor mais não pode ser do que «o mundo anda ás avessas ou eu sou doutro planeta».
Desnecessário se torna explicar a quem já não enxerga bem, mas que ouve lindamente, o que a tecnologia oferece nos dias que correm.
Na parte da manhã percorrem duas áreas comerciais que se situam quase no mesmo espaço para de tarde virem até à parte alta da cidade, local que adoram, não só pelo movimento mas como por tudo que rodeia como das pessoas frequentadoras. Andam as duas pelo meio das prateleiras onde exposto está toda a espécie de produtos como as novidades mais recentes. Algumas até noticiadas na TV.
Quando acontece Dona Carolina ver na televisão a marca de um produto e no dia seguinte encontrá-lo bem frente dos seus olhos, a sua voz ressoa por tudo que é sitio levando a que a mais nova chame-a à atenção para o espalhafato que acaba de fazer. Não porque não goste ou se importe mas porque chama a atenção de quem lá anda que mais não são do que «umas cuscas» segundo a idosa.
Adoram andar de «malinha na mão» a ver o que as outras pessoas compram, para depois passarem pelas «caixas» olhando para quem leva os «carrinhos cheios». Sabem, as duas, pelo espaço ocupado, se as compras são para a «semana» ou para o «mês» como da posição social de quem vai pagar o que comprou.
Não é defeito nenhum, apenas «curiosidade» porque na freguesia estas coisas não acontecem. Logo, nada como «todos os dias na cidade onde até dá gosto viver».
Um dia destes, Dona Carolina precisou de comprar alguns ovos, dadas as suas galinhas terem decidido, por razões desconhecidas, não lhe dar aquilo que precisava.
Que remédio senão comprar no sítio onde passa a maior parte de seu tempo livre acompanhada de quem um dia deixará de poder continuar a fazer o que faz já que a vida se encarregará de mudar o respectivo rumo.
Nada, então, como aproveitar aquilo que se pode. Agarrou numa embalagem de ovos cuja marca conhecia por via da telefonia anunciar como «os melhores ovos do país». Olhou para o dito pacote e vai daí: puxou os óculos que andavam pendurados na ponta do nariz para ler bem as informações que na embalagem constava em letras grandes; não estivesse a ver as letras com as lentes de pernas para o ar. «…ovos produzidos à base de milho, trigo, soja e girassol» – talvez o que o marketing queira dizer é que as galinhas que produzem os tais ovos sejam criadas à base do que lá está escrito.
Não pôde deixar de exclamar em voz bem alta para a descoberta: «mas agora as galinhas deixaram de dar ovos ou já são produzidos em quantidade industrial sem passar pelo rabo das galinhas?»
Na verdade a sua idade avançada, como por tudo o que já passou na vida, permiti-lhe aceitar que nos dias que correm já tudo seja possível, mas agora «esta produção ou publicidade» é que não é lá muito convincente. Tudo tem os seus limites como certas coisas até confundem quem já começa a desconfiar que os «deuses devem andar loucos».
Ainda hoje se está para saber como o primeiro ovo apareceu quanto mais agora já não ser preciso galos que façam com que as galinhas ponham ovos; a não ser que sejam «ovos clonados» como lhe disse uma madame toda mandada para a frente que também andava naquelas bandas.
Na verdade e, aqui para nós, esta coisa de «ovos produzidos….», mais não é do que uma técnica publicitária muito usada pelos entendidos para que consigam vender aquilo que os seus «clientes» produzem e lhes pagam a peso de ouro – a publicidade.
Tanto anunciam que acabamos todos por ir atrás do engodo, quando muitas vezes até sabemos que «a bota não bate com a perdigota. Para complicar a coisa mais, a fiscalização deixa muito a desejar ou só aparece quando não deve aparecer. Como resultado às vezes até nos conseguem vender «gato imita a lebre».
A bisneta, de maneira que não chamasse a atenção de outras pessoas, encosta o seu ombro ao da avó e ternamente diz-lhe ao ouvido – bisavó, são coisas das modernices.
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