Sonhos da Noite.


     
Encontrei o meu amigo Pedro no Departamento em que trabalho embora ele não tenha exatamente ido me visitar.Mas aproveitou para puxar as minhas orelhas por algo que eu deveria ter feito e não fiz: agradecer alguns livros que ele enviou para serem doados a nossa Biblioteca: Você  nem abanou o rabo, ele disse.Como eu não tenho rabo não me ofendi mas agradeci devidamente. Trazia nas mãos um exemplar de seu livro:Sonhos na noite. Comentou que havia acabado de comprar em um sebo, estava esgotado e ele não tinha ficado com nenhum exemplar. Nem eu. Logo passei a mão e sem pedir avisei que iria trazer para casa. O meu exemplar, autografado, desapareceu. Assim que pus as mãos no livro eu já sabia que teria que escrever sobre ele. E sobre o Pedro. E sobre mim.

     Pedro é meu amigo há muitos anos.Vivemos algumas aventuras juntos, como a de tentar fazer um jornal, que durou dois... números. Ele e seu cunhado estavam a frente da empreitada e me convidaram para ajudar. Aí, o Pedro pirou e o jornal acabou, como eu falo, brincando. Foram só dois exemplares, mas ficaram lindos e bem feitos. Eu ainda os tenho guardado em algum lugar, em uma de minhas muitas gavetas empoeiradas. Frequentávamos o mesmo grupo literário. O mesmo grupo político. Ele e a Doxa, também amiga querida. Em 2001 ele publicou o seu primeiro romance: Sonhos da Noite, por Pedro Coimbra Pádua.E eu escrevi a orelha. E agora o livro está aqui em minha frente, desenterrando lembranças.

    
Pedro é daqui mesmo, de Lavras. Mas passou os seus primeiros anos em Governador Valadares.Voltou para Lavras, em 1961. Nesta época eu ainda nem sonhava viver em Lavras.Minha família chegou pouco mais tarde. Meu pai comprou uma Padaria: a Padaria Rocha. Mas nossos caminhos ainda não haviam se cruzado.Foi estudar em Belo Horizonte. Apaixonado por cinema, escreveu crítica de cinema para o jornal Estado de Minas e participou de vários movimentos.Entre idas e vindas fixou-se definitivamente em Lavras em 1992. Foi a partir daí que nos conhecemos e aos poucos fomos ficando amigos.Não foi assim, de repente. Eu o respeito e admiro e principalmente, gosto dele. É um excelente escritor e jornalista. Cronista de primeira.

      Quando me convidou para escrever a orelha eu achei justo: afinal, a Padaria Rocha, ou a Padaria do Gê (Geraldo, meu pai) é cenário de sua história. E Santana, a ficticia cidade que representa Lavras, é o nome da rua onde na realidade ainda funciona hoje a Padaria Rocha.Que eu chamo carinhosamente de minha Fábrica de Pães. Mas contar a história da Padaria e a influência que ela teve na vida socio-cultural de Lavras vai ser assunto para um outro texto. Talvez um livro.Que o Pedro vai escrever, não eu. Hoje, o assunto é o Sonhos da Noite. 

      A orelha, não passa de uma orelhinha. Eu escrevi assim:
   
" Um grafiteiro anônimo escreveu nas paredes do Clube de Santana - Vou me perder nos Sonhos da Noite - e é este o convite que lhes faço: vamos nos perder nos Sonhos da Noite e fazer uma viagem através das páginas deliciosamente bem escritas deste livro, de autoria de Pedro Coimbra Pádua.
      
       Quase memória, Sonhos da Noite atravessa três décadas (de sessenta a oitenta) para contar a história de Márcio, da juventude à idade madura. Da esperança a conquista, do fracasso a redenção, realidade e ficção se fundem : personagens saem da imaginação sem limites do escrevinhador (como gosto desta palavra para me referir aos bons autores - remete-me a Vargas Llosa) e se encontram eom outros, que aparecem disfarçados ou de cara lavada. Quem será quem, onde será onde? Os leitores que viveram no mesmo espaço/tempo de Márcio ganham um atrativo à parte- decifrar os significados ocultos, os fatos (ah, disso eu me lembro...), reconhecer os personagens, muitos deles ainda transitando entre nós. No entanto o livro ultrapassa os limites da província: de Santana a Santana o protagonista faz o caminho da vida - e o caminho da vida é universal e atemporal - sentimentos e acontecimentos, amigos e mulheres, opressão e liberação total, a efervecência cultural de um país em crise centrada em dois polos: Belo Horizonte e Rio de Janeiro. E de quebra a vida em duas cidades do interior: Santana e Pedra Negra. 

       Ataenção especial deve ser dada às personagens femininas, as mulheres que cruzam a vida do protagonista, de forma direta ou indireta - elas retratam com maestria as transformações do chamado sexo frágil nesse período de nossa História.

      Mais que romance sonhos da Noite é a memória viva de uma época: é história. Revela ainda a maturidade do autor, como escritor de fôlego.

      Catarse para seu autor e para toda uma geração, Sonhos da Noite é um marco para a vida literária de Santana(!). Apresenta um texto de qualidade literária merecedor de ultrapassar as fronteiras de Minas indo bem além de nossas montanhas.

      Maria Olímpia Alves de Meo
(da Padaria do Gê, em Santana, 23 de maior de 2001)

     Ao começar a escrever este texto não sabia se faria uma Biografia,ou uma Resenha.Biografia deixei para quando ele morrer. Pois vou fazer o obituário dele, se ele não fizer o meu antes. Mas ao optar por uma crônica,  também optei por entrelaçar livro e vida. É assim que me desculpo, por não ter  agradecido  ao meu amigo a sua doação de livros.Mas principalmente par dizer a ele o quanto a sua amizade me é valorosa.