E aí? (Maria Mal-Amada)
E aí?
Crônica extraída do livro Maria Mal-Amada
De Lorena de Macedo
E aí? O que vai ser? Perguntou a garçonete para a garota sentada ao meu lado no balcão da cafeteria. E aí? O que vai ser? Perguntei para mim mesma na esperança de uma resposta sensata. Mas você sabe que sensatez não é meu forte, e uma legítima indagação sem sentido é o que preciso para dar vazão aos devaneios. Ela nem titubeou ao escolher o pão-de-queijo mais moreninho da bandeja e eu quase me descabelei para decidir entre um pedaço enorme de bolo de chocolate e um biscoito de queijo. Comi os dois. Comi com a satisfação de quem não teve que escolher entre um e outro.
Tenho me feito essa pergunta com uma insistência irritante. O que vai ser dessa vez hein? Responde logo sua medrosa sem atitude! Não se esconda covardemente em baixo desse pesado edredom king size na tentativa de sair ilesa dessa merda de vida. Afinal de contas, queridinha, você não está aqui a passeio! E por que não? Por que não posso passear pela vida só um pouquinho?
Hoje sou só indagações e a pergunta mais difícil vou deixar para você: Por que tudo tem que ser a ferro e fogo? Tudo tão pesado, apertado, amarrado... Quantas curvas sem propósito, quantos nós nesse cadarço, quantos contras sem sentido, e eu aqui pedindo abrigo para um coração mal resolvido.
Não quero falar de flores, nem das dores dos amores sem futuro. Não quero tantos atalhos para viver uma vida de retalhos, uma colcha em frangalhos, um pedido em espera na lista de pedidos para Deus.
E aí? Você já se decidiu? Vai casar ou comprar uma bicicleta? Pular de pára-quedas ou comer uma salada verde? Estranhíssimo seria se a resposta pudesse ser simplesmente vomitada fácil, fácil. Mas você se tortura com escolha do que nem ao menos precisa ser escolhido, decidido, interrompido, precavido...
Eu tento relevar comentários grosseiros sobre o tempo e a cor dos meus cabelos na tentativa de uma convivência mais pacífica. Mas me incomodo. Incomodo-me com a dureza das escolhas e a proeza dos poucos sobreviventes a pressão diária. Escolher um pão-de-queijo não é assim tão fácil, ou será que é?
Será possível se esquivar de tantos porquês na esperança de uma certeza irrefutável? É preciso ter certeza? Não sei dizer o que me motiva quando me deparo com a pergunta insistente. Você tem certeza de quê? De todas as escolhas que já fez na vida, qual delas foi tranqüila e inquestionável? Aposto que nenhuma delas...
Ainda me lembro de um tempo de calmaria. Tempo em que a histeria de uma dúvida se encontrava na ingenuidade infantil de uma menininha que ainda não sabia o significado da palavra indagação.
O mundo é dos mais fortes, meu caro. Mas que mundo? O lugar onde pontos de interrogação saltam das cabeças que perambulam pelas ruas à procura das curvas sem propósito é o mundo de quem? Eu prefiro uma linha reta, mesmo que nem sempre consiga traçá-la.
Prefiro não saber de nada ao invés de me torturar para saber do que não deve ser sabido. Eu sei, eu sei. Concordo com você quando diz que é agonizante pisar em ovos, mas os ovos têm que ser quebrados para podermos comê-los. Fritos, mexidos, cozidos, seja como for, se quebrarem, é só limpar e seguir em frente.