O Lombriguentinho
Gabriel Perissé citou um ocorrido com sua filha criança e botou-se a dissertar por que os infantes gostam tanto do Pica-pau:
- “... porque o Pica-pau é sacana, não tem piedade de ninguém. A criança é má, não perdoa, é sacana também”.
Este intelectual - o maior da atualidade - tem o dom de me atingir no ponto G. Duas palavrinhas dele e pronto: alço vôo e sabe lá bem aonde vou parar. Nesse ingênuo comentário em aula, fui buscar explicação para uma das minhas taras: a farda. Sempre que meus olhos vêem policiais, a cara de pateta se instaura no meu rosto e só sai quando bem quer. Pergunto-me, por vezes, por que tanta servidão? Outrora digo que é admiração. Mas, admiração sustentada em quê? Se fosse um gostar ingênuo, não acovardado, eu seria um policial. Portanto, o termo que escolho para definir isto é subserviência. Admiração tem motivações mais nobres, certamente.
Retomando a lógica despertado pelo Professor/Doutor/Escritor//Gostoso-de-comer Perissé; imagine a seguinte cena: uma criança barriguda, cheia de lombriga, desnutrida, catarrenta, pés no chão, vivendo no sertão cearense sob o sol abrasador de dezembro, desencantada com um tal de papai-noel que nunca lhe traz nenhum brinquedo ordinário... Contava uns seis/sete anos de idade física; mental, sabe-se lá quantos!
De repente, chega uma tropa fardada com o seguinte comunicado para os que deveriam proteger o Lombriguentinho:
- A partir de agora, esta propriedade pertence ao Estado brasileiro. Os senhores (meu pai, avô, etc) receberão metade do valor venal (a outra parte certamente seria uma forçada contribuição à pátria) e terão 30 dias para desocuparem essas casas”.
Desespero generalizado entre a parentada: maldiziam, em surdina - claro - a deus e ao diabo. O chefão da família, o todo poderoso Vovô que desfilava em cavalo alazão, se auto-arrancaava os cabelos e soltava uivos de fera, fera domada, sem arrojo para quebrar a jaula!
Derrotados, arrumaram a trouxa e deixaram a propriedade que lhes pertenciam a mais de dois séculos!
O exército vitorioso, garboso, apoderou-se de tudo: repartiu, meteu divisas e deu para quem bem entendeu.
Na mentalidade escoladamente lapidada, o Lombriguentinho deveria ser solidário à família chorosa, derrotada, acovardada por amor a paz e por reconhecer a superioridade das forças bélicas de Médci.
Sabe o que fez o Lombriguentinho? Apaixonou-se por quem tinha o poder, a força e as armas. Quem tem tais é quem tem a razão e pode, de fato, proteger!
Uma vontade de lavar a alma... Pai nosso que estás no céu, santificado seja...