A Quaresma e o chupa molho

          Meu amigo Jeremias flagrou-me fazendo compras na feira livre que freqüento há muitos anos. 
          Em plena Quaresma, eu comprava alguns quilos de chupa molho. 
         Antes que ele perguntasse pra que tanta carne, fui logo lhe lembrando que a abstinência é coisa do passado.
          E que a Igreja, atenta à realidade, tornara-se flexível no que diz respeito a essa obrigação quaresmal.
          Hoje, completei, faz abstinência quem quer. E se não o fizer, não irá pro inferno, como queria, nos anos 1940, o meu santo cura, nas suas longas homilias, nos quarenta dias que antecediam a Páscoa.
         Claro, que o velho Jeré, com mais de 80 anos de sacristias,  um convicto e intransigente carola, não gostou do que acabara de ouvir do seu companheiro de missas, vigílias e de outras solenidades pré-pascais...
          E sem maiores delongas, foi me dizendo: " Olha, isso não é o comportamento esperado de um ex-seminarista franciscano". Em seguida, persignou-se.
          Apesar da contundente advertência do Jeremias, mantive-me irredutível no meu propósito de, durante a Quaresma, comer o meu chupa molho, com o pirão que Ivone faz, dando-lhe um sabor inconfundível.

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          O velho Jeré voltou a carga. Por que carne e não peixe?
          Expliquei-lhe que, durante a Quaresma, o peixe é só pra quem dispõe de uma boa grana.  E que, até a pequenina pititinga - um peixinho miúdo que é servido como tira-gosto - passa a custar os olhos da cara!
         Mas antes de chegar à feirinha, passei por uma  peixaria;  aqui mesmo, na Pituba.
         Não consegui  comprar, à vista, o delicioso vermelho ou pargo. Recorri, então, ao cartão de crédito, e ainda propus parcelar em duas vezes. A proposta foi recusada!
         Nas barraquinhas da feira  saí   perguntando o preço do pescado. O quilo do robalo e do badejo, por exemplo, havia subido quase cinqüenta por cento. A sardinha tivera seu preço adulterado, digo, aumentado, bruscamente.
         Só tive um alternativa: insistir no chupa molho.  É um excelente prato. Excelente e barato. Nutritivo e farto. 
          Como é uma carne de segunda, acho que nem o papa vai dizer que, ao consumi-la, o católico estará pecando ou menosprezando a dieta quaresmal.

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          A verdade translúcida e que os peixes não sumiram dos mares e dos rios . Joguem-se  as redes, e se terá peixes em profusão.
          Onisciente, onipotente e justo, o Rabino deveria  castigar, severamente, aqueles que, durante a Quaresma, ousassamaumentar o preço do pescado, alegando dificuldades na pescaria.
          Com o peixe mais barato, deixaria o chupa molho pra depois da Semana Santa.
          

           

         
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 25/02/2008
Reeditado em 14/02/2009
Código do texto: T875429