As coisas boas da vida
Por: António Centeio
Nunca pediu demais à vida. Apenas pedia que lhe desse o suficiente para viver dignamente para não ter necessidade de fazer mal a ninguém nem ter que passar por cima de quem quer que fosse. O dinheiro e o poder deste nunca o seduziram. Apenas queria o suficiente para viver bem e poder manter honradamente quem dele dependia, a sua família. Nunca pediu à Vida o impossível. Quando os outros pediam o mundo ele pedia uma estrela; quando os outros pediam o mar ele pedia um rio. Sempre soube onde chegar e de quais as suas possibilidades. Houve anos melhores que outros, mas nunca sentiu o mundo desabar em cima de si ou dos seus.
Dos anos que já carrega aos ombros, nunca quis dar um passo maior que o alcance das suas pernas. Viu homens subir o púlpito, para quando no cimo, caírem de uma forma súbita que se desfizeram todos ao bater no solo; viu homens e mulheres atingirem a fama para hoje ninguém se lembrar deles; viu outros desaparecem do cimo da terra para memorar com nostalgia de tempos que já não voltam; viu crianças transformarem-se em mulheres para depois darem à luz lindas crianças, algumas, hoje são quase mulheres; viu reis e presidentes serem depostos ou outros elevados; viu o cair do Muro da Vergonha que dividia o mesmo país em dois para ver nascer outro no meio do deserto, a que alguns chamam de Terra Santa. A tudo assistiu com pavidez para continuar a ser o mesmo homem que foi e é. Sempre gostou de estar por detrás dos bastidores, mas nunca no palco; sempre deu o lugar de destaque aos outros, mesmo que alguns não o merecessem. É um homem de fibra e de princípios. Ensinaram-lhe a ser assim e não se arrepende de ser como é.
Quando se senta e medita na vida, sorri para consigo próprio e para a criança que dentro de si tem. A vida sempre lhe deu o que quis. De tal forma, que por vezes se assusta com tudo o que está a acontecer – do nunca pediu. Continua a receber de uma bandeja misteriosa coisas que jamais tenha pensado ou desejado. A vida recompensa, de uma forma estranha, quem dela não pede muito. É o que lhe está a acontecer.
Sabe que é um privilegiado da vida; que recebe da mesma vida, dos outros, aquilo que eles não recebem; sabe que nem todos podem falar e dizer o que ele diz mas sabe que nada pode fazer para que todos possam falar como ele. É algo que lhe escapa. Apenas lamenta que nem todos falem e possam agradecer à Vida como ele. Num espaço de um curto espaço a filha deu-lhe dois netos; dois filhos lhe nasceram, cinco romances, publicou, vários convites recebeu para fazer aquilo que mais gosta: escrever.
Já escreveu mais três romances que esperam a vez de ser publicados para continuar a ser um contador de histórias. Não sabe como sonha tanto. Muitas vezes tenta descobrir o percurso de um caminho que lhe apareceu pela frente, do qual, jamais alguma vez sabia que existia.
Começa a ver um outro caminho, que quando em criança, pensou um dia trilhar, mas que a vida, lhe ensinou: quão difícil é para se chegar ao cimo da montanha. Por razões que não sabe explicar, a vida está incentivando-o a olhar lá bem para o alto, porque afinal, o caminho até não é tão difícil como parecia ser passadas algumas dezenas de anos.
Com o que lhe está a acontecer, acredita, ou melhor, começa a acreditar, que mais tarde ou mais cedo, chegará onde nunca julgou chegar. Só de pensar nisto, diz muitas vezes para consigo «se chegar lá ao cimo, então realizei o maior sonho dos meus sonhos. Poderei, lá de cima olhar cá para baixo e ver a obra que realizei; obra esta, que foi feita para ajudar e proteger as crianças abandonadas e carenciadas. Que morra nesse momento, porque realizei aquilo que sempre sonhei fazer: ajudar os outros sem nada pedir para mim».
Não sabe, mesmo perguntando a si próprio, se tudo aquilo que a vida lhe tem dado, como teima em continuar a dar, se mais não é, por nada ter pedido à vida e a Vida de perto ter vindo a seguir os seus passos, bafejando-o com tudo o que não esperava como tudo que nunca ambicionou; também não sabe se por detrás da Vida, algo se esconde ou se algo existe ou se algo misteriosamente o está ajudando. Seja como for, não rejeita tudo o que lhe tem acontecido e acontece. Sempre soube receber a vida e estar de braços abertos para as coisas boas da vida.
Vida esta, cheia de contrastes e de partidas, que não compreende, como nós, seres humanos nunca compreenderemos.
Continua a nada querer das coisas boas da vida, mas a vida teima em lhe oferecer aquilo que não espera e muito menos pediu. Não rejeita, porque tem medo que um dia a Vida, aborrecida por lhe dar tudo e de tudo negar, lhe pregue alguma partida. Partidas já lhe bastam aquelas que as pessoas lhe fincam quando menos espera.
Tem razões suficientes, talvez até demais, para todos os dias quando acorda, de joelhos e com as mãos juntas, voltadas para o Céu, agradecer a quem ele próprio nem sabe quem é.
Às vezes, sem ninguém se aperceber, chora como uma criança. Não pelas contradições, que a vida costuma dar, mas por tudo que tem recebido na sua vida.
Homens destes, são aqueles em que acredito como de quem gosto de estar rodeado. Com eles aprendo o que eles sabem para que, mesmo que não faça igual a eles, possa ser parecido. Talvez sejam destes homens que o mundo precisa. De homens que nada querem para eles mas que tudo querem dar aos outros.
Só lamento que o mundo não tenha mais pessoas como esta, porque, talvez deixasse de existir tanta injustiça como as crianças deixassem de sofrer como sofrem.
Sinto orgulho neste meu amigo, mas acima de tudo, admiro nele a sua enorme simplicidade como a grandeza do seu enorme coração.