A MESMA PRAÇA, O MESMO BANCO...
Ontem foi domingo, dia de entrega da premiação do Oscar.
Passo o dia ansioso para ver quem e quais filmes levarão tão cobiçado prêmio. Olho no meu relógio de pulso e vejo que são dezoito horas. Os sinos da igreja que fica a umas três quadras daqui não murmuram baladas da ave-maria.Ouço apenas latidos dos pequenos vira-latas do vizinho anunciando que tem estranhos nas redondezas.
Resolvo sair.Dirijo-me a praça da Matriz.Chegando lá escolho um banco em local bem iluminado.Sento.Fico esperando que apareça algum conhecido pra ficarmos jogando conversa fora.Falar das mesmas coisas: que não choveu, que fêz calor, que a polícia prendeu não sei quem. Meia hora depois e ainda estou lá, sózinho. Os sinos da igreja repicam convidando os fiéis para a missa das dezenove.Logo inicia-se uma pequena movimentação de gente dirigindo-se à igreja.Pessoas passam;a maioria nem me olha, alguns fazem um simples gesto com a cabeça mencionando um cumprimento.
Os sinos anunciam que a missa vai começar. Quase tudo pára.Uma viatura da PM adentra a pequena praça, faz sua ronda lentamente, sai e fica estacionada próximo de um quiosque que vende sorvetes.
Continuo sozinho naquele banco e começo a lembrar que até fins da década de 1970, a praça era o local mais frequentado pelos moradores das pequenas cidades do interior paranaense.No domingo, nem precisava marcar.Era o espaço para onde quase todos se dirigiam, ora para se distrairem, ora para encontrar amigos e conhecidos. Pela manhã pessoas que iam para a missa das sete, não deixavam de ¨dar suas paradinhas¨ e ouvir ou comentar as últimas novidades da semana.Falar da Dorinha que fugiu com o Zézinho porque o pai não queria o casamento dos dois.Falar da criança que nasceu ou do velho que morreu. Logo depois a praça ficava mais calma até pouco após o meio dia, quando ia sendo tomada por um alegre vai e vem de crianças, meninos que ficavam por ali trocando gibis e figurinhas, e meninas que apareciam para exibir um vestidinho ou um sapatinho novo,ou aguardando a sessão da matinê. O cinema local exibiria algum filme de tarzan, mazzaroppi,cantinflas ou quem sabe um festival do gordo e o magro.Os pipoqueiros, e os vendedores de algodão doce, estragicamente iam se instalando. Algum sorveteiro já começava a circular por alí.
Chegava a tarde e a presença das crianças ia sendo substituída, aos poucos, por jovens de todas as classes sociais.Isto mesmo.Em pequenas cidades esta distinção entre pessoas existia e existe até hoje.Os classe A, em número bem menor se reuniam no centro, talvez falassem de estudos, dos projetos do futuro.Os classe B, em grande número ficavam circulando em pequenos grupos: paqueravam ou simplesmente caminhavam.Os menos favorecidos, geralmente ficavam fora da praça, e só a adentravam quando os demais já tinham ido.Após a missa a praça ficava enriquecida com novos frequentadores. O alto falante da igreja executava os sucessos da jovem guarda.Bem que o seu Joaquim insitira com o responsável pelo som pra tocar modas do Tônico e Tinoco, do Tião Carrero e Pardinho, mas quem convência aquele jovem de cabelos longos,medalhão no pescoço calça lee americana a mudar de idéia.Muitos iam assistir a algum filme no cinema.Lembro-me de enormes cartazes anunciando: E o Vento Levou...,Ben-Hur,Spartacus,Álamo,Cimarron,Casinha Pequenina( do Mazzaroppi), e às vezes algum daqueles filmes proibidos para menores de 21 anos; filmes que hoje seriam exibidos na sessão da tarde de qualquer emissora de televisão,sem qualquer pudor.
A praça fazia parte do cotidiano das pessoas.É verdade que em algumas raras ocasiões havia alguma briguinha, mas nada de grave.Apenas alguma discussão, ou alguma troca de sopapos e nada de relevante.
*******
Levo o maior susto.Alguém me dá um tapinha nos ombros.Tira-me das minhas lembranças.Ainda bem é um velho conhecido que chega.Após me cumprimentar, me pergunta o que é que estou fazendo alí, naquele horário.Já são quase dezenove e trinta, já escureceu.Pergunta se estou ficando louco.Onde já se viu ficar à noite na praça sentado em um banco, com tanta violência rondando por aí.Você não tem medo? Ironicamente, lhe fiz a mesma pergunta.Ele então me responde: - É que a missa terminou e estou indo embora.
_
Então noto que todos saem diretamente da igreja prá suas casas.
Despedimo-nos. Dou-lhe toda a razão e mais que depressa, também me retiro.
Vou cantarolando bem baixinho, aquela música que também se ouvia no alto-falante:
A mesma praça -
O mesmo banco -
As mesmas flores e o mesmo jardim
TUDO É IGUAL...