Machão sensível
Juca de Oliveira disse à Época que, se sua vida fosse um filme, seria Casablanca. Faço coro com o ator: perdi a conta de quantas vezes já assisti o filme. Possivelmente nossas motivações são diferentes: a trama e a atuação de Ingrid Bergman são boas, mas, para mim, perfeito mesmo é Humphrey Bogart - Bogie para os íntimos.
A cena é antológica: a mulher que Rick amou em Paris aparece em Casablanca e entra no bar do galã, dois anos após tê-lo abandonado numa estação de trem. “De todos os bares, em todas as cidades do mundo, ela tinha que entrar justamente aqui” rumina Bogart com seus botões. Recuperado, num átimo pede ao pianista: “Se ela agüentou, eu também agüento. Toque, Sam.” Sam toca a canção deles, “As time goes by” ( dou um doce a quem adivinhar a minha canção favorita).
O filme é de 1942, Bogart faleceu em 1957, anos antes de eu nascer. Mitos, como os diamantes, são eternos. A figura do galã franzino, o típico feio bonito, povoa o imaginário de fãs – a maioria, como eu, conhece-o apenas dos cinemas de arte, TeleCine Cult ou DVD. Casablanca, seu quadragésimo sexto filme, marca a primeira vez em que abandonou o papel de gângster para ser o mocinho. A vida de Bogart esteve mais para “the fundamental things apply as time goes by” do que para o samba de uma nota só.
O que mais impressiona é perceber a história por trás do ator. Representou com naturalidade, porque foi autêntico também no mundo real. Convenceu como gângster, apesar de nascido numa família de classe alta. Encarnou bem o papel de galã seguro de si, apesar do fracasso nos casamentos. Poucos atores foram tão fiéis ao matrimônio, apesar do talento inato para escolher mal as esposas. A cada cerimônia de casamento ( quatro) e de assinatura de divórcio ( três), Bogart chorava emocionado. Quem, em sã consciência, deixaria de amar um homem tão sensível?
O criador da frase “A humanidade está três uísques atrasada” foi um machão ao velho estilo. Envolveu-se em um acidente de carro no set de filmagens: mordeu a própria língua, decepando-a com os dentes. No hospital, avisaram que a picada de anestesia seria muito dolorosa. Bogart não teve dúvida: enfrentou, a frio e a seco, as dezenas de pontos. Arre!
Seu último casamento foi conseqüência de uma paixão fulminante por Lauren Bacall. Pela primeira vez apaixonava-se. Pela primeira vez envolvia-se com uma colega de trabalho – ele, 46; ela, 20 anos. Dizem as más línguas que Bogart teria sido submetido a injeções de testosterona para recuperar a virilidade e o hormônio teria feito seu cabelo cair ( finalmente você decifrou porque “é dos carecas que elas gostam mais”: excesso de testosterona!). Passou a usar peruca nos filmes, mas circulava careca por Hollywood, sem dar a mínima para a opinião alheia. Lauren, com quem teve dois filhos ( presume-se que as injeções funcionaram), foi, de fato, uma mulher de sorte!
Sonhar é gratuito, consolo-me ao ver o filme pela enésima vez.
- “E nós, Bogie?” – pergunto com a voz embargada.
- “Sempre teremos Casablanca.” – ele responde em um tom firme e emocionado.
( A sigh is just a sigh.)
Sobem os créditos.
T H E E N D.