Recanto do Uirapuru
de Edson Gonçalves Ferreira
para Dirceu (in memoriam) e Adair Ferreira Pozzolini e
Tia Luiza Ferreira Pozzolini
Quando eu era mais jovem - sim, porque ainda não me considero velho -- gostava e muito de freqüentar o sítio do meu primo Dirceu que, carinhosamente, Dulce, sua irmã, chamava-o de Sôsô. Casado com Adair, Dirceu me dava, sempre, em caráter incondicional, uma cópia da chave do Recanto do Uirapuru cujo nome, só hoje, engraçado, o Bebeto Pozzolini, Secretario Municipal do Meio-Ambiente de Divinópolis, atualmente, meu afilhado, vim a conhecer.
Hoje é um dia importante na família dos Bigodes. Tia Luiza completa 100 anos. Ela nasceu, portanto, em 1908, no início do século XX e, engraçado, até hoje, só me lembro dela tocando violino com Tia Eulina. Ela é a última tia que tenho viva. Todo mundo já fez o trânsito. Lá em cima estão seus irmãos: Rodrigo,Antenor, José, João, Eulina, Aurora e, também, até meus primos Ricardo e Alexandre, filhos do Sôsô.
Eram deliciosos os fins-de-semana no Recanto do Uirapuru, cuja casa de dois andares ficava defronte a cachoeira da Usina do Gafanhoto. Tinha uma varanda enorme com deliciosas redes e uma piscina fantástica e, também, um pomar onde colhíamos laranjas, mexericas, limões, mamões, etc. Nem me atrevo a citar todos os filhos de Dirceu e Adair, porque são tantos e, então, posso saltar algum nome. Eram meninos encantadores que não se importavam com o primo
rapaz que se instalava na casa.
Quando a noite chegava, o céu enchia de estrelas, sentávamos na varanda e, muitas vezes, pegávamos o violão e, de papo pro ar, começávamos a cantar. Lembro-me, perfeitamente, do Dênis no violão, das declamações poéticas do artista plástico Hevecus,
das performances do artista plástico Heraldo Alvim, das loucuras maravilhosas que meu amigo José e eu aprontávamos e, principalmente, dos banhos de cachoeira, inesquecíveis.
Hoje, conversando com meu afilhado Bebeto, lembramo-nos daquele tempo. Ele era menino demais. Um dia, achei um livro debaixo da cama e, quando meu primo Dirceu, pai do Bebeto, chegou, pedi o livro para mim. Ele me deu. Quando eu ia embora, a pé, porque eu não tinha carro, encontrei com meu tio Adelino, na entrada do Parque Usina do Gafanhoto, no ponto de ônibus. Ele me convidou para ir ao sítio da sua filha com ele. Eu não quis. Mais tarde, fiquei desconsolado ao saber que ele tinha batido o carro e falecera.
Neste sábado, quando tia Luiza completa 100 anos de idade, acho que, por dentro, o coração dela está em festa. Ninguém me tira da cabeça que, apesar de ela estar numa cama, ela ainda tem consciência do quanto viveu e de quão bela foi a sua vida, ilustrada pela orquestra da família Bigode e, lá, lá em cima, deve estar um festão, porque meus entes queridos estão jubilosos por terem, na Terra, ainda uma valente e nobre mulher. Um beijo para minha tia, esta jovem senhora de 100 anos que já encantou como um uirapuru.
Divinópolis, 23.02.08