ESTE CHÃO MANCHADO DE SANGUE

O céu do meu país é de um azul esplendoroso pespegado por bordados elaborados por maravilhosas mãos de ouro. É realmente um lindo céu de nuvens esparsas como pequeninos flocos de algodão formando figuras e displicentemente jogados a esmo por algum moleque sapeca. O sol que banha a vida por cá é atrevidamente intenso, forte, escaldante, furioso, mortal em alguns casos. Seus raios são ao mesmo tempo benéficos e maléficos, dependendo do momento em que, a ele, as pessoas se expõem. Esse astro de intenso brilho fustigante deixa nossa terra cheia de uma luz quase insuportável, que fere e mata em determinados momentos. O existir, contudo, depende essencialmente dele e de suas variações de humores. Sob ele, destemidos no ar, percebo pássaros negros e um tanto esquisitos, feios mesmo posso afirmar, sobrevoando o espaço do meu Nordeste. Vão e vêm, como ondas incansáveis. Tranqüilos, eles planam indiferentes ao calor, olhares fixos lá embaixo e em derredor... e esperam...sim, de tocaia. Sabem que algum animal morrerá em pouco, de uma forma ou de outra, muitas vezes de fome mesmo, ficando expostos à podridão tão desejada por essa espécie esquisita. Tais aves agourentas têm ciência de que, invariavelmente, sobram restos dos restos dos sobejos para eles, a parte mais asquerosa a nosso ver, porém suculenta e saborosa sob o prisma deles. Calmamente esperam a morte acontecer, aguardam a carniça, esperam que se torne fétida. No entanto, por que falar do macabro quando posso declamar poesias e descrever flores? Prefiro a vida e por ela luto, clamo e laboro. E o meu canto, afinal de contas, deveras não é de dor, mas de suave sobriedade, de verdadeiro encantamento sem resquícios de desencanto, de soberba alegria que se espraia em derredor e alcança cada ser humano melancólico, elevando-o ao alento, livrando-o da indiferença e do desgosto secular de vidas sem a menor graça, desprovidas de futuro e vontade. Meu canto é essencialmente encantado e ainda se permite sonhar sem o horror das amarras, porque quebraram-se finalmente as algemas, romperam-se os grilhões de ferro que me prendiam as mãos. Eu brado para o mundo, mas não é um grito de dor, senão de paz e ternura, de inocente fascinação. Já o chão do meu Nordeste, este chão injustamente manchado de sangue derramado, todavia ainda assim tão florido e perfumado quanto os bugaris, este meu chão não é somente de asfalto ou barro quentes, mas também de encantadoras praias ensolaradas disputadas por turistas que fogem da gelidez sulina em busca do gostoso prazer cálido, que ele, este chão alucinante e ternuroso, proporciona com as águas do Atlântico. É terra seca pelo sol inclemente, contudo molhada pelas ondas sonolentas do oceano; tanto afoga inclemente quanto queima impiedoso. Embora seja sustentáculo da existência corajosa dos aqui nascidos que esbravejam contra as injúrias e o desplante do clima e da natureza. Assim é e tem sido sempre. E o meu sofrido povo, essa população carente e esquecida? Meu povo assemelha-se à Fênix mitológica em seus nuançes, pois chora e grita aparvalhado por causa da fome e a dor subseqüente, mas que sorri e gargalha por no íntimo ser o mais alegre, quiçá o mais solidário... morre de sede, o meu povo, mas ressurge na alegria do seu folclore, do carnaval, dos seus forrós, lambadas e frevos, do seu inusitado. Morrem de fome alguns certamente, contudo dividem seu pão com alguém ainda mais necessitado que eles mesmos, se é que isso é possível...ainda mais andrajoso. É o meu povo, que, conquanto triste devido as mazelas climáticas, exala a mais completa das alegrias... pranteia e ri a um só tempo.Incongruência? Doçura de coração, eu diria melhor.. Minhas matas são como virgens, as mais belas e luxuriantes do Planeta, fauna e flora interagindo no mais perfeito equilíbrio Apesar das mãos dos homens e seus machados e serras, apesar dos inúmeros pesares e percalços... apesar de tantos “apesares” e de um sem número de aflições, desgostos, desalentos... Apesar ...é o meu povo, sim, o meu céu, o meu chão, as minhas matas. Minhas praias estão inundadas de sol e lindas mulheres sensuais, os meus folclores carnavalescos, músicais e congêneres...é a minha alegria e tristeza, o meu canto e pranto, meu sorriso e esgar, meu tudo/nada, lágrimas descendo grossas e tépidas face abaixo, tendo nos olhos o mais encantador ar de riso, o típico/atípico, um povo valente, destemido...um chão que produz as mais variadas e fartas frutas tropicais exportadas para os estrangeiros...o céu mais cheio de estrelas à noite, Ursas maiores e menores, pássaros que não são apenas escuros e de mau agouro, pois que voejam em nosso céu azul um grande número de alados sem pressa: Joões de barro, pintassilgos, galos-de-campina, graúnas, canários de mavioso canto, e tantos e tantos e tantos...o meu espaço...o meu tudo, o meu todo meu. Eita chão ensanguentado que molha de suor e ferve sob a inclemência solar o tórax e os miolos dessa gente brava que não se entrega sem luta e, quando cai, ainda se apoiando na inacreditável força descomunal sua característica, o faz de pé. Aplausos gente forte nessa terra madrasta!

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 23/02/2008
Reeditado em 19/06/2010
Código do texto: T872273
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