DESGRAÇADAS CRIATURAS DESPREZADAS

Todas as pessoas desprezadas e esquecidas são tristes, cabisbaixas, caludas, ensimesmadas, introspectivas. Tudo isso e muito mais, decerto. É provável que chorem com bastante facilidade e lancem olhares tênues e abatidos, como se distantes, alheios. Têm a sensibilidade à flor da pele, literalmente, e sofrem por coisas de somenos importância. Elas não pedem quando necessitam, geralmente suplicam, tantas vezes tendo os olhos marejados e a cabeça baixa na tentativa de esconder o constrangimento.

Conheço alguém assim. Magérrimo, boné desbotado e sujo na cabeça, o rosto envelhecido tanto pelo tempo quanto pelas inúmeras agruras do seu infeliz viver, duas muletas sob as axilas, fica diariamente de pé num sinal de trânsito de movimentada rua do centro de Natal desde o amanhecer até o fim da tarde à espera de uma esmola. Lá é o seu ponto, sob o sol causticante que o queima inclemente ou a chuva eventual que o refresca por instante e lhe enche as faces de sinusite e as amígdalas de inflamação com o bafo que levanta, porque o chão nordestino é mais que quente, é tórrido como as paredes de um forno de padaria. Ele é um mendigo como tantos outros existentes em nosso rico País. Sua pele já está tão enegrecida pelo fogo dos raios solares a que está exposto no seu pobre cotidiano que, provavelmente, já deve ter sofrido queimaduras de segundo grau e esteja desenvolvendo, paulatinamente, um câncer de pele. Ouso afirmar que as horrendas pegadas do câncer, sem dúvida, devem estar circulando vagarosas, porém de maneira irreversível, por seu corpo mirrado. Mas compreendo que ele mendiga sob o insuportável calor solar para sobreviver, contudo, nesse esforço desumano, mesmo que não queira - e ele tem querer? - planta em si mesmo uma bomba relógio prestes a explodir a qualquer momento.

A exemplo de todos os excluídos, dos desprezados e esquecidos, ele aguarda o sinal vermelho abrir, com a humildade que lhe é tão peculiar e necessário e, claudicando com o peso de suas enfermidades naquelas muletas dolorosas, aproxima-se dos carros meio indeciso e joga nos motoristas aquele súplice olhar de quem está arrependido por encontrar-se ali naquele momento inesperado, diz tímidamente uma quase inaudível frase no vergonhoso ato de pedir e estira acabrunhado a esquálida mão encalecida. Nesse gesto de extrema humilhação, como em tantos outros da espécie, talvez esteja incluído o peso e o horror de todos os pecados dos homens praticados contra a dignidade humana. O esmolar, penso, é o último degrau de tapete e miserabilidade a que o homem pode chegar, é aauele instante decisivo entre entregar-se ao opróbrio ou resistir bravamente à degradante situação de zero à esquerda ao erguer-se do mais fundo dos poços e lutar. Muitos, no entanto, não têm mais o ânimo para pelejar, para tatear em busca da subida, dada a velhice, dadas as condições negativas da sociedade sempre, dado tudo, enfim.Haveria que existir um arrimo, um apoio onde agarrar-se para esse anelado soerguimento, para enfrentar o combate, para sair da lama e pisar terra firme. Para ele, todavia, esse esfarrapado trapo de gente, parece ser tarde demais para arrimar-se em algo que o sustente e eleve para o alto nessa fase madura de sua vida. Desse modo, como é normal no Brasil acontecer com os menosprezados e esquecidos aqueles a quem todos ficamos indiferentes, o pobre mendigo continuará a obscura criatura para quem jogam, uns que outros, parcas moedas que somente servirão para mantê-lo claudicando todos os dias, faça chuva ou sol, naquele ponto à espera da caridade para poder, ao menos, comer um pedaço de pão seco e alguns caroços de feijão sem tempero em algum momento do dia.Até quanto será assim para tantos na mesma miserável condição desse indigente brasileiro? Desse brasileiro que não é cidadão, não consta das estatísticas oficiais. Um desprezado e esquecido. Um excluído, um desgraçado abandonado pelo Governo e pela nossa falta de amor!!!!

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 23/02/2008
Código do texto: T872267
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