A Liquidação

Hoje fui a uma loja que estava fazendo liquidação de estoque. Aquelas promoções de início de ano e pós-carnaval em que os lojistas incrementam as vendas no período de queda de faturamento.

Chamou-me a atenção o fato de noventa e nove por cento dos clientes que compravam serem compostos de mulheres, os restantes obviamente eram constituídos de homens e afins.

Pois bem, de repente lá estava eu, no meio da loja e perdido da minha mulher que estava perdida em meio a gôndolas, araras, outras mulheres e poucos homens, balcões e vendedoras. Cansado de procurar a minha digníssima, sentei-me em um mostruário de madeira com altura em torno sessenta centímetros de altura coberto de calças jeans, como não seria diferente, em promoção.

Fiquei lá, sentado e observando as mulheres que hipnotizadas, vagueavam, não como zumbis, mas como verdadeiras consumidoras pesquisando o melhor preço. Pega daqui, franze testa ali, examina uma etiqueta, faz cara feia, solta um sorriso satisfeito, larga com desdém uma peça que não é do agrado, pergunta da amiga ao lado. “Quéquêvocêacha queridaaaaa? Gostou?” “Sei não, aquela outra não é melhor?” Os comentários e dúvidas são os mais variados. Os olhares desvairados a procura da melhor peça, do menor preço. Afinal, as amigas que não puderam vir às compras, que não puderam aproveitar a liquidação têm que morrer de inveja.

Deixei de lado o grupo que eu estava observando e passei a olhá-las, primeiro individualmente, depois em grupo. Dependia de como o meu olhar caía sobre elas. Fiquei lá, um tempão. De súbito veio uma idéia louca. Por quê não tentar classificá-las por tipo de consumidoras:

Tem umas que lembram leoas na savana, caçando: O olhar é fixo, determinados, os gestos meticulosos e calculistas, não se deixam enganar por truques de vitrinistas e balconistas.

Têm outras que lembram abelhas. Saem examinando e pegando todas as peças de todos os mostruários como se estivessem sugando o néctar do menor preço. Não importa a qualidade e necessidade da compra. Interessa somente a oportunidade do menor preço.

Outras lembram araras. Não param de falar com as amigas sobre a qualidade e o preço das peças. Pegam, examinam, discutem, desarrumam todo o mostruário, fazem maior bagunça e não levam nada.

Algumas lembram pavões. Entram na loja com altivez. Olham por cima das demais, meras mortais, gentinha. Essas querem a melhor peça, o melhor atendimento, independentemente das vendedoras estarem quase loucas com as demais consumidoras, mas elas querem fazer de conta que se misturam com o povão. ‘Só estou aqui porque os preços estão irresistíveis’. Pensam, para alívio de suas consciências consumistas.

Passarinhos... Algumas lembram passarinhos. Entram na loja em festa. Aquilo é pura diversão. Chilreiam alegres, divertidas. Examinam as peças como se estivessem em um campo de alpistes. Descontraídas, deixam-se levar pelo idílico prazer das compras. A fartura do cartão? O cheque especial? Depois eu penso nisso. Agora eu estou me divertindo. Ai, como é bom comprar. E liquidação então? Nem me fale.

São tantos os espécimes, que eu, reles leigo, sou incapaz de classificá-las, todas.

De repente, lembrei-me da minha digníssima. Onde andará? Que espécime eu a classificaria? Melhor deixar quieto. Agora o que está importando é localizá-la. Como fazê-lo? Fui até a lanchonete da loja, pedi um refrigerante e pus-me a matutar. Recordei-me do serviço militar. É... Meu amigo, amiga. Para localizar uma mulher em loja com liquidação de estoque, somente com táticas militares, a menos que você tenha lembrado de levar um GPS e ter posto um localizador junto ao cartão e ao talão de cheques. Isso mesmo. Sabe porquê? Porque esses objetos serão os últimos na face da terra a serem perdidos por uma mulher em missão de compras.

Voltando à tática militar. Primeiro você divide a loja em quadrantes. Feito isto, você faz quatro perguntas básicas que um combatente deve fazer quando se encontra acuado e sobre fogo cerrado.

a) - ONDE ESTOU?

b) - PARA ONDE VOU?

c) - QUANDO VOU?

d) - COMO VOU?

Quadrante:

– Dependendo do tamanho da loja você divide em quatro, seis, oito ou dez quadrantes. Não esqueça... Sempre da ENTRADA para o FUNDO da loja.

Perguntas:

a) – Onde Estou – Essa pergunta faz sentido em razão do alienígena que está perdido na loja saber exatamente a localização dele. Em qual quadrante ele está.

b) – Para onde vou – Escolha ficar parado e esperar ser achado ou sair e procurar. Se resolver sair para procurar, jamais escolha o SETOR MASCULINO... Você é a última das opções. Talvez você tenha sorte e consiga ganhar uma cueca, quem sabe um par de meias.

c) – Quando vou – Escolha o melhor momento, não saia nunca na hora em que o gerente pegar o microfone para indicar a localização da melhor oferta. Perda de tempo. O caminho escolhido certamente vai estar obstruído. Escolha o lado contrário.

d) – Como vou – Escolha sempre o quadrante um, e metodicamente vá examinando com olhos de lince cada centímetro do quadrante escolhido. Caso você chegue ao último quadrante sem localizar o seu ente querido, tente os provadores. Se ainda sim você não conseguir localizar a pessoa agora não tanto querida, tente o toalete. Se mais uma vez não obtiver sucesso, chame o gerente que anuncia as ofertas e o suborne para que ele diga ao microfone que a gôndola que está ao seu lado tem ofertas do outro mundo. Tem homens que desesperados pedem, imploram e subornam o locutor para, suprema humilhação, chamarem o ente, agora não tanto querido, pelo nome.

Amigo, garanto que localizei o meu ente querido, usando, cientificamente, a tática militar.