Saudades de ontem
Ontem eu tinha sete anos.
Lembro-me que andava de bicleta quando de repente bati com queixo no guidóm e cortei a língua.
Lembro que, ontem mesmo, brinquei de pique-esconde e dei uns beijinhos na amiguinha da minha prima.
Foi ontem que, junto com meus amigos, roubei goiabas em uma casa, perto da lagoa do canto, e fomos atacados por marimbondos furiosos, que nos deixaram inchados; e logo seguimos o conselho da irmã de um dos nossos amigos, passando nossa própria urina nos locais inchados.
Ainda ontem escrevi um poeminha que, lendo hoje, só vejo inocência e pureza.
Ontem, lembro-me, enchi minha mãe de beijos e de declarações de amor.
Foi ontem que chorei pelo amor de uma menina que sequer sabia meu nome. MAs ela era linda!
Onde será que ela está? Como será que ela está?
Ah...ontem também despedi-me de uma querida amiga que foi morar em BH. Confesso que tive uma imensa vontade de beijá-la, ali mesmo, no Cais do Centro, onde conversávamos e chorávamos a despedida.
Ontem tive vontade de visitar minha avó. Mas não fui.
Tive vontade de gritar. Mas não gritei.
Foi ontem que dormi... e tinha sete anos.
Foi hoje que acordei, e percebi que de ontem para hoje passaram-se dezessete anos.
Que vontade de dormir novamente; mas com efeito contrário, retornar ao ontem para ter a oportunidade de reescrever este texto hoje.
Bela visão de tempo tinha meu amigo Braudel, mas hoje me identifico mais com a frase de Jacques Le Goff: "A crise do mundo dos historiadores nasce dos limites e das incertezas da nova
história, do desencanto dos homens face às durezas da história vivida."