DRUMMOND E TANGERINI 4
TRÊS PRESENTES DE DRUMMOND
Nelson Marzullo Tangerini
Pouco depois de meu aniversário, telefonei a Drummond para tratar de um assunto do qual não me lembro mais e ele pediu que eu fosse até sua residência para apanhar três livros que ele me oferecia como presentes de aniversário.
Creio que falei-lhe em carta sobre minha data natalícia.
Segui, então, rumo a seu apartamento à Rua Conselheiro Lafaiete [ pedaço de Minas Gerais em Copacabana?].
Chegando lá, dirigi-me a João, porteiro e fiel escudeiro do poeta. Pensava que os livros estariam com ele, na portaria, a minha espera.
Para minha surpresa, João não foi rígido:
- O poeta mandou você subir.
Estremeci. Também sou tímido e, na verdade, nunca tive coragem de me aproximar de Drummond.
Só uma vez estive diante dele: no lançamento de seu livro A paixão medida, quando ele autografava, na Livraria José Olympio Editora, ao lado de sua filha Maria Julieta Drummond de Andrade, que autografava, também, o seu livro Bouquet de alcachofras e de Dom Marcos Barbosa, que autografava...
Pois bem... Toquei a campainha. Dona Dolores me atendeu. Indentifiquei-me:
“ – Sou Nelson Tangerini. O Drummond me disse que ele está me oferecendo três livros. Vim buscá-los”.
“- Um momento”, disse-me ela. E voltou com um pacote na mão.
Pedi que sua esposa agradecesse ao marido pela lembrança e mandei-lhe, por ela, o meu sincero abraço.
Dentro do elevador, afoito, fui abrindo o pacote. Eram três livros autografados:
1) 70 HISTORINHAS
[ “A Nelson Tangerini, com a simpatia e o abraço de / Carlos Drummon de Andrade.” ] , onde há interessantes crônicas como “Serás Ministro”, “Banco Barroco”, “Guignard na parede”, uma discussão entre marchand e comprador sobre se um quadro do pintor fluminense seria ou não verdadeiro e “O outro Emíio Moura”, sobre seu companheiro modernista de Belo Horizonte, entre outras.
2) AS IMPUREZAS DO BRANCO
[“Para Nelson Tangerini, lembrança amiga de / Carlos Drummond de Andrade. / Rio, 9.V.1981.” ], de onde destacamos o poema “A PALAVRA MINAS
Minas é uma palavra montanhosa.
MADU
Minas não é palavra montanhosa.
É palavra abissal. Minas é dentro
e fundo.
As montanhas escondem o que é Minas.
No alto mais celeste, subterrânea,
é galeria vertical varando o ferro
para chegar ninguém sabe onde.
Ninguém sabe Minas. A pedra
o buriti
a carranca
o nevoeiro
o raio
selam a verdade primeira, sepultada
em eras geológicas de sonho.
Só mineiros sabem. E não dizem
nem a si mesmos o irrevelável segredo
chamado Minas.”
3) A PAIXÃO MEDIDA
[ “Deixo aqui um abraço cordial para Nelson Tangerini. / Carlos Drummond de Andrade. / Rio, numa bela manhã de maio (dia 9), de 1981” ], de onde destacamos o poema
“PATRIMÔNIO
Duas riquezas: Minas
e o vocabulário.
Ir de uma a outra, recolhendo
o fubá, o ferro, o substantivo, o som.
Numa, descansar de outra. Palavras
assumem código mineral.
Minérios musicalizam-se em vogais.
Pastor sentir-se: reses encantadas.”
e uma cartinha, contendo votos de poesia e felicidade, que será comentada na crônica futura “Cidadão do Mundo”.
O poeta, ainda que vivesse no Rio de Janeiro, jamais saiu de Minas. Seu apartamento era mesmo um enclave mineiro em Copacabana. Da cidade que já não era mais maravilhosa, escreveu Drummond o poema Prece de mneiro no Rio (livro Sentimento do mundo) para o “mundo mundo vasto mundo”, ainda que Minas - a Minas do pastor Gonzaga e a sua Minas modernista - não existisse mais: “Espírito de Minas, me visita, / e sobre a confusão desta cidade, / onde voz e buzina se confundem, / lança teu claro raio ordenador. / (...)”.
Digo-lhes, pois, que saí daquele bloco de apartamentos, em Copacabana, respirando os ares puros das montanhas de Minas.
Nelson Marzullo Tangerini, 52 anos, é escritor, jornalista, compositor, poeta, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro co Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.