VOLTEI... "AGORA VÃO TER QUE ME ENGOLIR " !

Sempre tive um problema com oratória, melhor dizendo com o excesso dela! Quando era criança, minha mãe me ensinou que as bonecas tinham alma e que poderiam conversar sobre tudo, mas nenhuma delas me respondia, foi então que ganhei uma que falava e deixei as outras de lado, até descobrir que era tudo uma gravação, totalmente impessoal e fiquei indiganada! Ah! Tão novinha e já sofrendo desilusões. O fato é que descobri, que aquele negócio de conversar com as bonecas era apenas mais uma estratégia que minha mãe havia encontrado para me afastar das rodas de conversas dos adultos. Minha infância foi numa época em que diálogo entre gerações ainda era uma revolução nos consultórios psicológicos. Participar das rodas, então era uma afronta às regras de convivência pré-estabelecidas!

Aos quinze anos, ganhei o meu primeiro diário. Ah! Era tudo o que eu queria! E tinha cadeado e tudo. E na capa aquele título básico que desperta curiosidade em qualquer um: “Meu Querido Diário...”. Ah, se arrependimento matasse! rs. Minha mãe ficou indignada, porque não acreditava que eu fosse de fato, trancar o danado, literalmente à chave. E eu fiz mesmo. Era a época dos segredinho, do amigo invisível... foi aí que começou oficialmente meu namoro com as letras. Agora sim, eu podia falar, usando a caneta, é claro. Depois chegou a fase da Agenda. Hum! Essa foi legal, melhor que a do diário. Lembro que nas minhas agendas, havia de tudo, menos compromissos. Era uma espécie de retratos e recortes do cotidiano. Tinha fotos dos gatinhos, da galera, das manchetes de jornais, “ídolos” da TV, desabafos... enfim, de tudo um pouco. Lembro-me de ter usado “agenda” como companheira por toda a minha adolescência, até chegar a faculdade. Hoje, as tenho guardadas como lembranças de minha estratégia de travar um diálogo comigo mesma e com meus outros“eus”, digo diálogo porque nunca suportei a idéia do monólogo... dava uma sensação estranha de vazio. No fundo eu não queria era aceitar o fato de ser solitária, ou que falava demais e que por isso ninguém tinha tempo para me ouvir. Escrever foi a solução.

O tempo foi passando, e como toda boa tagarela, fui ganhando destaque na faculdade. Nas apresentações em grupo, ninguém queria ser o orador... vai a Sandra, então. Aí já não gostei, foi virando abuso, acomodação...Ah! se era trabalho coletivo, então todo mundo tinha que participar, ora. Resolvido o conflito inicial, fui abrindo caminhos, as conversas agora já podiam ser travadas nas rodas de adultos, também já era hora! Os rabiscos passaram a ter uma conotação mais séria, uma linguagem mais apurada, essas coisas de exigências da metodologia do trabalho científico. Ah! A a agenda, finalmente encontrou lugar para compromissos reais. A sede de conhecimento aumentou, a participação do movimento estudantil me deu a oportunidade de falar... e olha que dessa vez com direito à platéia e tudo, foi uma fase legal... mas já passou.

Se no aspecto profissional não tive problemas, no pessoal o conflito continuou. Já não era uma questão de poder ou não participar das rodas... era uma questão de tempo. O mundo contemporâneo aprisiona as pessoas de tal forma que ninguém tem mais tempo para ouvir niguém. Tá todo mundo com tanta pressa que quando você vê... já foi. Passada a fase do diário, da agenda... só me resta a NET. Pelo menos lá, todo mundo encontra tempo para tudo... Na vida real, se falo demais, você faz aquela cara de cansado, boceja um pouquinho e logo arruma um compromisso. Já na Net... se você começa ler, enche o saco e quer parar, não há constrangimento. Eu nunca vou saber se você leu essa crônica até o fim, de uma só vez ou se fez à prestação, não importa. Importa que você, de alguma forma dedicou um pouco do seu tempo a quem estava carente de atenção e isso me basta.

Moral da estória: Se eu falo demais, escrevo tanto quanto! Aqui é meu Recanto. Sobrou pra vocês... e como diria o querido Zagalo, "Agora vão ter que me Engolir!"