Abrindo o coração
De Edson Gonçalves Ferreira
Para Ione Assis, Lavina e Leni e Leda Gonçalves
A lembrança mais terna que tenho é a minha prima Ione, tomando conta de mim, enquanto vovô colhia as uvas na parreira
da casa da Tia Criola para fazer vinho. Eu era muito pequeno e, o
mundo me parecia mais belo. Ainda não tinha tanta malícia. Ione
lavava os pés e, atendendo pedido do vovô, entrava no barril para
amassar as uvas com os pés. Hoje, meu coração é que está amassado.
Sou muito frágil, talvez mais frágil que as uvas e, quando pisam em mim, dói muito. Quando as saudades chegam, então!...
Vovô colocava os barris nas vigas da casa antiga para curtir o vinho. Hoje, eu é quem estou sendo curtido, talvez seja para, um dia, Deus me encontrar melhor. Gostaria de ser santo, mas não, sou de carne e osso e cheio de defeitos. Deus me ama, isso eu sei, o difícil é agradar gente. Quisera ter a sabedoria que minha mãe e minhas tias tinham!
Falando assim, lembro da Tia Bebê que, cercada por seus filhos, inclusive com as filhas Lavina, Leni e Leda, fora o batalhão dos meninos, fazia quitandas na sua padaria em Betim, Mário Campos quando, de férias, eu ia para lá. Quando descuidavam, fazíamos guerra do resto da massa de pão que escorria dos vasilhames. Era uma delícia!
Todo mundo sabe que, nesta vida, nem tudo é flor e, inclusive, que as flores têm espinho. Saint-ex sabia muito bem isso e, portanto, o Pequeno Príncipe sentia saudade da flor que deixara no seu planeta.
Hoje, o menino crescido Edson está com saudade da sua flor, que ficou perdida no passado, no passado bem longínquo quando, com as graças de Deus, ele ainda era inocente. O tempo se incumbe de transformar o menino num homem e, às vezes, esse homem sofre, porque quer manter a chama da ternura viva. É tão difícil!... Talvez, seja por isso que eu encaro a hora do trânsito como abençoada. Volto no Pequeno Príncipe que alegava que, quando ele partisse, o que ficasse parecia como uma casca de árvore.
Enquanto, contudo, a hora do trânsito não chega, quero viver
com a alegria de um menino solto numa planície verde, tão verde sob um céu azul, azul e, no fundo, as águas tranqüilas de um rio de águas claras e, na sua margem, um grande grupo fazendo piqueniques. Ali,
estariam minha mãe com meu pai, meu irmão Edgar, minhas tias e tios que já partiram e, também, meu avô Manoel com um cacho de uvas bem doces para me dar de presente.
Divinópolis, 21.02.08