TODO RECOMEÇO É BOM

Peguei a mão do tempo e dei a volta ao mundo em oitenta segundos, sobrevoando carnavais e observando a vida ser semeada a cada segundo ao redor da Terra. Pisoteei os desertos e banhei-me nas águas do Mar Morto onde não existe vida. Assisti às touradas em Madrid e fechei os olhos ao sangramento dos animais. O mundo está cheinho de grandes contrastes. Comi a poeira esvoaçante e escaldante do meio-dia e vi o sol queimando inclemente a minha pele, mas também lavei-me nos olhos-d’agua e nas nascentes dos rios que atravessaram minha estrada; os caminhões carregando gente à guisa de gado, os conhecidos paus-de-arara, desenhavam em meus olhos cenas de tristezas milenares se desenrolando igual a um filme longa metragem; não vi sorrisos nos rostos macilentos sentados nas tábuas duras, nem tampouco um gesto qualquer de serenidade, somente a angústia de uma pobreza franciscana impossível de ser humanizada por mais que se tentasse; quase chegando às lágrimas, vislumbrei pássaros em vôos altaneiros no calor brutal da tarde esbraseada pelos raios solares; com uma asa eles voavam claudicando, com a outra se abanavam vigorosamente; vi, extenuado pelo cansaço rotineiro, o tempo não passar e a estrada nunca terminar enquanto o asfalto pegava fogo borbulhando e as ondas da fervura subiam do chão feito chamas translúcidas; presenciei em meu caminho sem fim carros e caminhões destroçados e jogados no acostamento, amassados grotescamente, as rodas para cima ainda em movimento, por causa dos acidentes decerto ocorridos por imprudência, bebida ou sono, e chorei quando o sangue das vítimas escorria grosso no solo enegrecido pelo imenso calçado como a cobra que os homens lhe puseram; revoltei-me com as injustiças cotidianas da vida, com a violência dos homens perversos, com o mal que teima em permanecer como erva daninha entre as pessoas de boa vontade. Foi uma longa jornada por aí, sem rumo, a esmo, buscando a mim mesmo e encontrando vários egos que eu próprio desconhecia, e com os quais debati muitas vezes debalde. Contudo não me abati porque ousei persistir e alcançar a vitória anelada. Não me deixei conduzir pela soberba apesar disso, nem deixei de olhar nos olhos do medo quando confrontado com o temor. Não, encarei firmemente as situações determinado a vencer qualquer adversidade, qualquer dificuldade acaso apresentada. Esmurrei o vento o quanto pude, por muito pouco não lhe dei um nó cego, faltou o mínimo para engarrafá-lo e jogá-lo no oceano onde se perderia entre os tubarões sempre famélicos. As pedras do caminho eu removi com a paciência necessária para atravessar o caos, e logrei atingir meus objetivos sem importar-me se os atalhos desconhecidos me levariam ou não ao planejado. Nunca receei a noite com suas sombras dantescas nem temi desconversar com elas. Ao contrário, dancei agarradinho nelas nas madrugadas silenciosas e deixei pegadas indeléveis que as transformaram em meras figuras grotescas e inofensivas. Ia bem alta a calada da noite e já então eu precisava seguir meu destino, então as vi soluçando quando parti e enveredei alhures, lembrando criancinhas combalidas e abandonadas por seus tutores atarefados. Nos tímidos pingos de chuva que, sazonalmente, acontecem de cair no meu sofrido Nordeste dei nós jamais desfeitos. E quando calcei as botas-de-sete-léguas embarafustei mundo adentro procurando ciclopes Cá estou, então, de volta aos braços dos amigos que, como eu, também se enternecem com a ternura das poesias, a beleza das trovas, com a multiplicidade dos textos que enchem as páginas deste jornal mais que centenário. Voltar é recomeçar e todo recomeço é o bom sinal das novas pegadas sobre o chão vigoroso da esperança.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 21/02/2008
Reeditado em 04/07/2021
Código do texto: T869442
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