O CAOS AÉREO E A ARTE DE VANESSA MATURANA
Ah! Como era bom viajar nas asas da Pannair. Entrar na estrutura pesada dos seus Constellations DC7 e desfrutar do bom atendimento desde o check in até o desembarque festivo. Ah! que saudades dos vôos tranqüilos dos Caraveles da Cruzeiro do Sul, dos lautos almoços da Transbrasil, das lindas aeromoças dos Boeings da Varig, da elogiada pontualidade da Vasp, dos saguões luxuosos e tranqüilos! Tudo são lembranças de felizes viajantes aéreos de um tempo que, a passos lentos, não acompanhou a azáfama dos dias atuais em que viajar de avião é um sobressalto atrás do outro causado por diferentes motivos. A minha última experiência em voar com os novos paradigmas de transito aéreo, aconteceu em Ribeirão Preto e misturou impaciência, desespero e arte.
Eram 5.40 de uma fria manhã de maio. Os alto-falantes do aeroporto Leite Lopes chamaram-me para o embarque. Entrei, com mais 10 passageiros, eu com destino a Salvador, via Guarulhos. Ao entrar dei de cara com uma exposição de fotografias denominada Reflexos de Vanessa Maturana. Passei momentos deliciosos olhando aquelas fotos que até esqueci o vôo e as minhas apreensões quanto a um possível atraso. Ai o alto falantes despertou-me.
- “Senhores passageiros, comunicamos que o aeroporto de Guarulhos está fechado por causa da neblina, sem previsões de abrir”. Espero.
Leio Jorge Araújo e as suas crônicas do Jornal Agora, publicadas no livro Ainda Que Nos Precipitem. A pequena e desconfortável sala de embarque começou a encher-se. Contei quarenta e cinco pessoas. Eu, sentado junto às telas de Vanessa, não via ninguém parar para admirá-las. Alguns ainda olhavam de passagem, mas nem paravam. Rostos tensos, apreensivos, indagadores, preocupados. Ninguém se dava conta de que as fotos de Vanessa poderiam acalmar-lhes ou trazer-lhes para um mundo diferente daquele que estávamos vivendo. Lia e observava. Um senhor falava ao celular dando ordens expressas a algum subalterno distante; outro lia o jornal e amassava as páginas, impaciente; uma senhora ruiva fazia palavras cruzadas; dois jovens namorados ouviam MP3 no mesmo fone de ouvido rostinhos colados ante a cumplicidade amorosa do head fone; felizes e cantantes nem se importavam com o atraso – a paixão não tem pressa. Uns gritavam com o atendente da Passaredo quando o seu vôo era da TAM e nem um nem outro tinham informações a dar. E as fotografias de Vanessa ali, espreitando, silenciosas e belas, aquele caos buliçoso e estridente.
Nove horas. Muitos vôos partiram para Congonhas, Rio de Janeiro, São José do Rio Preto. O meu não. 11 horas. Minha conexão para Salvador já era. Procurei me informar. - Acalme-se senhor, - (eu estava calmíssimo) - a sua conexão está garantida, pois os vôos em Guarulhos também atrasaram. Voltei a ler Jorge Araújo e a monitorar aqueles que porventura parariam para ver a exposição. Nova leva de passageiros, agora para Brasília. Entraram na sala de embarque passaram rápido em frente às fotos e embarcaram. “Mais cem menos sem”, última e centésima crônica do livro, na sua página 311, encerrava a minha leitura. Circulei entre as fotos. Ninguém olhava. Todos muito inquietos para olhar o belo. Fiquei um tempo olhando novamente as fotos para ver se contagiava alguém. Não consegui.
11.40. Chamaram-me para o embarque. Antes de deixar o saguão, lancei um ultimo olhar para as fotos de Vanessa. Alguém estava olhando com interesse a exposição! Voltei para cumprimentá-la. A senhora, idosa e simpática, respondeu ao meu cumprimento. Buenos dias, señor. Ai soube que era argentina e ia para Buenos Aires. Conversamos um pouco sobre a exposição. Última Chamada. Gracias. Embarquei.
Voando para São Paulo fiquei pensando que sempre haverá alguém para olhar o belo e consertar o caos que lhe vai à alma. Amanhã mais duas pessoas, depois mais duas e depois e depois, até o dia 31, quando Vanessa vier buscar as suas fotografias, muitas almas haverão de se encantar ante a mensagem da fotógrafa.