O Menino que era Torto
A mãe notou que a casa estava muito quieta, dá com a falta do filho e cutuca a empregada:
- Ué Rosa! Onde está o menino?
- Sei lá, saiu aí que nem vento.
E lá está o menino roubando manga na chácara do vizinho. Uma voz ao longe grita: “desce daí moleque!”. É o seu Messias, dono da árvore, com a espingarda em punho. E o menino corre aos trambolhões como se fosse filho do vento.
A mãe dá-lhe no coro. Mas menino num tem jeito. Menino num presta. E sobe de novo. O menino não conhece fronteiras, ignora a lei da propriedade privada.
- Pau que nasce torto...
E como esse menino inventa presepada, meu deus! Só inventa o que não presta. Ri com cada besteira. É cheio de arte esse menino. Vive no mundo da lua. Faz cada careta! Menino é bicho teimoso.
- Te aquieta menino!
- Tome jeito de gente!
E o menino inventa peraltice, travessura, sobe telhado, quebra telha. Mira a lua, sonha com ela.
- Serei astronauta! – diz o menino cheio de brilho nos olhos. A mãe retruca:
- Astronauta nada! Desce do mundo da lua. Tu será advogado.
Nenhuma uma coisa nem outra: o menino virou soldado.
E serviu o exército. Se aquietou. Virou homem: não é mais arteiro. Não inventa mais presepada. Não tem arte. Não olha a lua. Não rouba manga. Não quebra telha. Nem teima. O pau que era torto se endireitou. Tomou jeito de gente.
Ficou dócil como uma ovelha - cruel como um lobo.
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