O mistério da mala de cartão
Todos os meses fazem a sua viagem habitual até Vila Velha de Ródão. O velho automóvel já está habituado às subidas da serra. Nunca se queixa do esforço que lhe exigem como do peso que leva, talvez por a “A-23” fazer deslizar as suas rodas sem qualquer solavanco como nos tempos que saiu do “stand”.
Os ocupantes já não passam sem a beleza estonteante da serra como da paisagem que cativa quem a saiba apreciar. Depois, os cheiros que vem do interior da terra e das árvores fazem com que a viagem demore mais tempo do que é habitual. Paragem obrigatória é na primeira “Área de Serviço” para no sossego mais uma vez ser contemplado aquilo que «só do alto se pode ver». O arvoredo que confere a tranquilidade; a zona serrana que permite um profundo envolvimento com o meio, possibilitando desfrutar paisagens abertas, algumas majestosas em contraposição com espaços estreitos para visualizar ao mesmo tempo a união entre o azul do céu, por vezes também a neblina branca.
Disseram-lhes em tempo, que nesta pacata vila se costuma vender «os melhores queijos do país» feitos manualmente por mãos hábeis levando a que os seus produtores não precisem de andar por tudo que seja sítio a vendê-los. A fama do que sabem fazer permite-lhes apenas aguardar a chegada de quem de tão longe vem.
Argumenta, quem os faz, com uma pouco de razão, que a publicidade dos seus clientes é suficiente para «não chegar para as encomendas». Daqui aconselhar a quem não conheça o negócio que «nunca se aventure a fazer qualquer tipo de viagem sem contactar» quem tão bom queijo faz e vende, caso contrário, poderá chegar à localidade situada na encosta da serra e não trazer os seus queijos.
Quando acontece, depois de apresentadas as desculpas de quem tão bem sabe fazer os “salgadinhos e picantes” nada se fica a perder. A quem não conhece a “Ródão” um dos filhos faz de guia turístico mostrando tudo que seja digno de se ver nas redondezas como a barragem que água recebe vinda do “Tejo” explicando ao mesmo tempo que a “ dos Montes Ibéricos” calma é em toda a sua expansão para fazer com a sua largura uma das mais bonitas albufeiras, permitindo a quem saiba, deleitar-se com a beleza da pacata vila que fica nas costas de quem olha para a barragem. Simplesmente uma soberba paisagem. É assim que os “Queijos da Vila de Ródão” como de quem os faz se tornaram famosos levando a que diariamente dezenas de forasteiros visitem a localidade. É assim que se negoceia. Se não há matéria-prima para vender oferece-se a quem se deslocou alguns passeios como. Nada se perde, tudo se vende.
Foi numa destas viagem que o casal e respectivos acompanhantes ao aproximarem-se da “D’Ródão” viram à distância, estendida na berma da estrada uma velha e comprida mala de viagem, daquelas de cartão. Deduziram que a mesma tivesse caído de algum carro, daí, terem parado e apanhando-a para a levarem para o “porta-bagagens” do velho “Fiat” com o objectivo de ser averiguado quem seria o dono ou….verem o seu conteúdo já que algo indicava que vazia não estava.
«Quem sabe se não terá dados para se escrever um romance» disse um dos que se apearam, talvez por ter lido dias antes “Para lá da Porta Secreta” – livro de um escritor e contador de histórias, chamado “Centenius”. «Que fazer com o raio da mala, de tão velha se encontrar até parece ser do tempo da guerra?» perguntavam uns aos outros. Olhando para as redondezas o que viam era: fumo branco a sair da chaminé da fábrica, agora “vivalma” nem sombra.
Foi quando alguém de lembrou «Vamos levá-la. Em casa vamos abri-la e logo se verá o que tem ou de quem é». Assim foi. Feita e armazenada a encomenda do mês, no porta-bagagens que levou o queijeiro a espantar-se com tal relíquia, como a dizer alguns piropos menos impróprios para a situação do achado, voltaram para a cidade de onde tinham partido horas antes.
Mal estacionaram a viatura na garagem, a fim de se descarregar as compras, como o achado, depois de fechado o portão não fosse algum curioso pasmar-se com o que visse ou desse com a «língua nos dentes» a mala foi colocada em cima de uma mesa. «Até parece que achamos um tesouro» disse a dona da casa para se rirem numa forte gargalhada.
No momento em que meteram uma faca para rebentar as fechaduras da mala de cartão, de tão ferrugentas se encontrarem, ouviu-se logo um estalido que indicava a abertura. O silêncio que pairava permitia ouvir barulhos esquisitos que mais pareciam pessoas espreitando pelas fendas do portão como os miseráveis pescadores narrados no livro “A Pérola”. O incumbido de abrir o tesouro fez render a expectativa; o silêncio fez barulho; olhos vindos da escuridão esperavam pela descoberta obrigando a que o viajante mais novo gritasse «Deixe-se de lérias e abra é essa porra!». Ao mesmo tempo ouviram, vindo do cimo, um forte estrondo – era a inquilina do andar superior a partir no chão um tomate congelado.
Todos mudaram de cor, exclamando em coro «a mala está assombrada». Recompostos do susto a mala foi aberta. Apenas continha: duas velhas e sarnentas fotografias de aviões da “Segunda Grande Guerra”; três ou quatro bocados de papelão, do tamanho de uma caixa de fósforos, que indicavam: ser o escriba um forreta ou um qualquer “manga-de-alpaca” já que neles constava os gastos feitos em “compras para casa no mês de Julho” do longínquo ano de mil novecentos e cinquenta e dois.