Por favor, só três dedos... (Maria Mal-Amada)
Por favor, só três dedos...
Crônica extraída do livro Maria Mal-Amada
de Lorena de Macedo
Não poderia ter sido mais clara do que isso. Por favor, apenas três dedos, três dedinhos. Mas a sacana da cabeleireira resolveu interpretar o meu pedido como bem lhe aprouvesse. Sendo assim, três dedos se transformaram em três palmos. Qual é o problema dessas pessoas que não escutam direito mesmo com uma audição perfeita? Sinceramente, eu quase subi pelas paredes. Uma fúria demoníaca apoderou-se do meu ser e para não cometer um assassinato em pleno salão de beleza, tive que conter os meus instintos infernais.
Você sabe do que uma mulher infernal é capaz. Somos capazes das mais inesperadas reações diante de atos injustos e impensados. E nesse caso, a sacana cometeu uma injustiça quase imperdoável.
Tentei argumentar com o resquício de paciência que sobrara no meu reservatório de sentimentos comportados, dizendo que ela havia cometido um equívoco sem proporções, mas tudo o que eu recebi foi um afago no ombro direito e alguns comentários das pessoas que presenciaram a cena: Você está linda! Ficou bem melhor assim! Não está tão curto. Cabelo cresce.
Que coisa óbvia! É claro que cabelo cresce, mas não é por isso que podem tosá-lo todas as vezes que eu resolver dar uma aparadinha. Só uma aparadinha! Como se algum argumento fosse adiantar depois do fato consumado.
Passado o choro, a cara inchada e o nariz avermelhado, eu me pergunto: qual seria o significado do cabelo na vida de uma mulher? Sou fã de cabelão. Adepta das longas e pesadas madeixas que um dia eu tive o prazer de cultivar... Exagero? Nada disso. Se você visse o antes e depois também iria se compadecer da minha tragédia quase grega.
Lembrei-me de uma história antiga que hoje julgo ser engraçada, mas que na época foi muito traumática para quem teve o desprazer de vivenciá-la. Vou lhe contar, mesmo sabendo que poderá não entender o real significado de um corte indesejado na vida de uma pessoa, mas saiba que vaidade não é sinônimo de futilidade.
Cabelos negros, longos e pesados. Orgulho de uma menina magricela. Esta era a filha, na beleza de seus treze anos. Autoritária, teimosa, cabeleireira competente e requisitada por toda a vizinhança. Esta, a mãe, no auge dos treze anos da filha.
- Senta aqui menina. Aproveite que estou com horário vago. Senta!
A garota magricela tremeu nas bases, pois sabia não haver defensores para protegê-la da tesoura enlouquecida. Ouvira durante toda a semana a mãe prometer que iria cortar-lhe o cabelo. Apenas apará-lo para tirar as pontas duplas e ressecadas. Mas em seu íntimo temia pelo pior.
A mãe chamou novamente. De novo. Mais uma vez.
- Senta!
Não ouve escapatória. A menina colocou o rabinho entre as pernas e dirigiu-se cabisbaixa para a cadeira dos horrores. Mal sabia a mãe que a magricela havia arrumado um namoradinho na escola.
Cortou, cortou, cortou. Até que o adjetivo longo não pudesse mais ser usado. Maldade? Não. Absolutamente não. Apenas ignorância... E durante a semana que se seguiu a menina usou um pano para esconder o cabelo, ou a falta dele. A magricela perdeu o namoradinho.
O pior aspecto do mal está no exagero e não na existência do sentimento muitas vezes justificado por uma situação real. Assim é a vaidade, presença constante nos salões de beleza, nas revistas de moda, nas conversas entre amigas, naquela vitrine que lhe chamou a atenção, naquele produto revolucionário que promete maravilhas contra o envelhecimento precoce. Assim é com o cabelo.
Seja como for, todas nós sabemos a real importância de uma escova bem feita, uma máscara hidratante, um penteado chiquérrimo. E aquele movimento com a cabeça, jogando os cabelos pra lá e pra cá, é super eficaz na tentativa de chamar a atenção de alguém em particular.
Quem nunca teve vontade de socar o cabeleireiro que atire a primeira pedra. O que? Você não? Bom, se você jamais se indispôs com alguém por conta dos seus cabelos tem muito ainda o que viver...
Acho que vou marcar outro corte.