A cidade pede socorro
Minha cidade e um pouco da sua historia.
Minha pequena e florida cidade! Hoje precisamente, dia cinco de maio do ano de dois mil e dois, volto os meus pensamentos para alguns anos atrás e relembro com saudades os momentos ditosos que vivi a percorrer tuas ruas simples, a correr pelos teus campos verdejantes e a banhar-me nas tuas fontes tão puras e naturais.
Lembro-me, menina ainda, lá pelos anos 60, quando não havia água encanada para as residências e nem energia elétrica, o povo humilde a carregar latas d'água na cabeça, alguns rapazes a atravessarem uma vara nos ombros e a equilibrarem com segurança duas latas nas extremidades da mesma; os barris a rolarem puxados por uma corda, vindos de todas as fontes, principalmente das traíras, um verdadeiro vaivém, onde metade da população abastecia suas casas com a água clara daquele lugar.
Era bonito o colorido das vestes, a conversa das comadres quando lavavam roupas no riachinho logo ao lado das bicas.Tempo bom aquele! Logo adiante, mais acima um pouco, o Rio do Meio era o ponto preferido de dona Luísa, uma das lavadeiras de ganho mais caprichosas daquele lugar. Mas, voltando ao meu devaneio, lembro-me que a hora do almoço, depois do cansaço, as lavadeiras sentavam-se no capim verdinho e com os seus pratos de esmalte comiam com avidez e satisfação, geralmente só com a mão sem o respectivo talher, a refeição que, supunha eu, tinha o sabor do néctar dos deuses.
Lembro-me do Becão, com suas águas turvas, também servia para a lavagem de roupas. Lugar denominado por mim, naqueles tempos, de Refúgio das lavadeiras.E o Pó Só? Fonte de água límpida e gostosa, também servia de abastecimento de água para a população. Logo ao raiar do dia a agitação era intensa e a cidade ficava em burburinho com o movimento de seu povo simples e humilde a buscar o líquido precioso que, graças ao Arquiteto do Universo sempre tivemos em abundância. O Rio do Ligeiro, o Poço do Homem (assim chamado por encobrir um homem) este último, lugar preferido pelos motoristas para lavagens de carros, banhos etc.
Minha pequena e florida cidade! Muitos cantam tuas belezas naturais: A cachoeira do Ferro-Doido, O Buraco do Posidônio, tuas serras enfeitadas de orquídeas e bromélias, tuas flores diversas, enfim tua fauna e tua flora, os teus colibris dourados, a Cachoeira do Agreste, a Gruta dos Brejões, A gruta da Boa Esperança (palco de um drama horrendo), o Tareco com suas águas termais, o Morrão que segundo a lenda, serviu de habitat para os índios Paiaás e deu origem ao nome do nosso município; o povoado de Ventura, que durante anos foi um lugar de grandes festas e garimpo de diamantes desta região, (hoje em ruínas), a Pedra grande lugar pitoresco para o piquenique de fins de semana, etc.
Sinto saudades dos anos da minha adolescência, quando saia à noite para passear no jardim, lugar onde a juventude se concentrava; saudades da paquera tímida, dos assustados (festa realizada ao som de radiola e|ou toca-discos) em casa de amigos, das músicas românticas do cantor Roberto Carlos, do povo nas calçadas, das crianças a brincarem e a cantarem músicas de roda; da bola de gude, do pião, das pipas coloridas pelo céu, das chuvas de tanajuras e dos garotos a espetarem palitos nas suas bundas para fazerem-nas zoar através de suas asas em movimento; o seu João Gomes com as suas calças de linho branco e suspensórios marrons a vender cocadas e doces de buriti, que delícia! Como me lembro da escolinha Jardim de Infância da Tia Margarida Pinto, primeira mestra de tantos e tantos filhos desta terra; os carnavais, os cordões de rua, os bailes da Prefeitura, os ternos de reis, as peças de teatro (com o apoio inestimável do saudosista Belarmino Rocha), os presépios famosos de Joselito Modesto, o nosso amigo Zéu, o de dona Rosália, dona Elevita e do presépio de tocos, verdadeira obra de arte do popular Tuninho Mela - oco.
Chego a rir ao lembrar-me do corre - corre das moças e rapazes quando a luz, a motor, dava o sinal para que todos ficassem de sobreaviso que ao terceiro sinal a luz apagaria de vez. As pessoas que se encontravam nas ruas saiam apressadas para casa e as ruas ficavam desertas. O silêncio reinava, só se ouvia e via um assovio aqui e acolá, um casalzinho de namorados a se beijar, o canto de algum pássaro noturno, as estrelas, o luar. E eu a devanear...Pensava no meu amor primeiro amor verdadeiro, amor de menina - moça, ansiosa por um beijo...
Aos poucos o progresso foi chegando e edificando por aqui. Não mais ruas de areia. A pavimentação foi se efetuando gradativamente e hoje já podemos sentir orgulho das nossas ruas calçadas e arborizadas, colégios, praças...Mas infelizmente os investimentos em cultura, educação, lazer e desenvolvimento sustentável ainda é insuficiente. A cidade apesar do grande potencial turístico, da diversidade de artistas, do clima maravilhoso, ainda vive na obscuridade, assistindo ao comodismo dos seus filhos que empobrecidos se submetem ao poder do sistema que esmaga e oprime. Se não vemos hoje o coronelismo impor seu império no sertão baiano, o povo sente ainda o receio da perseguição política e a violência vem aumentando dia-a-dia, a olhos vistos.
No lugar da paz, da beleza e do amor nas noites frias ao som de uma música suave nos braços da amada, ou o andar tranqüilo pelas ruas, o cantar, assoviar, sorrir chorar, tomar porre de dor de cotovelo, voltar tranqüilo para casa, adormecer, sonhar... A tristeza de ter que se esconder, viver sob o medo do estupro e da morte inesperada, atualmente fato comum, nas noites, antes românticas da minha cidade!A violência impera!
Minha querida e florida cidade! Onde estão os teus filhos valentes? Onde se escondem, que não marcham em frente e tomam o ouro do vilão? Agora, na era da globalização teus filhos fogem em busca de emprego, em busca do pão, os que ficam se submetem à tirana dos falsos monarcas mascarados de democratas, uma mistura comum no século XXI.
O rei sem coroa governa os bobos da corte, que obedecem hipnotizados, como que enfeitiçados por um negro mago, o vulto sinistro do atraso personalizado no mau político, o filho de belzebu! O sistema dominante.
Esta simbologia é para demonstrar o meu repúdio ao retrocesso em que vive, a pobreza da tua gente, tuas fontes naturais esquecidas, tua arte e cultura adormecida, o exercício da cidadania podado pelo tridente, pondo para correr os que almejam liberdade e sonham com a igualdade e o desejo de mudanças, a alforria, o desenlace dos elos que mais do que correntes, se constitui na verdade em notória escravidão a um sistema que agoniza e faz terror em nossa gente.
Ao lembrar-me da queda do império romano e da sua destruição, meu coração se enche de alegria, ainda tenho esperanças minha cidade, de vê-la brilhar sob os escombros de um passado, cujo poder estagnou o progresso; E acredito no limiar de um novo dia, onde o povo unido em harmonia poderá desafiar os dragões do continuísmo e sem medo, oportunizarão um novo tempo, novos paradigmas, mudanças significativas para o nosso belo rincão.