C A F É
 
 
Sentei-me numa mesinha ao lado da escada rolante, bem em frente à cafeteria.
A mocinha trouxe o café e, do lado da xícara, sobre o pires, um biscoito pra lá de diferente e gostoso.
Era no formato de um pequeno girassol tendo no meio, uma bolinha de chocolate com menta.
O café era forte, grosso, com leve espuma em cima.
Junto, uma pazinha plástica pra misturar o adoçante.
O ranger da escada rolante, ritmado,e o movimento circular que eu fazia bem lentamente remando o café na xícara, começava a me enfeitiçar.
Uma magia que acho que só o café tem.
Parece que o café tem vida, tem alma, tem identidade. 
Se você observar, nem mesmo em casa, a gente toma dois cafés iguais. Imagina em lugares públicos?
Acho que é impossível fazer duas vezes igual.
Nunca tomei um café igual ao outro. Nunca.
A magia do momento me transferiu para os tempos da adolescência, quando minha tia Wanda me pegava pela mão para companhia dela e
íamos na casa da dona Clotilde para ler a sorte.
Numa xícara de café, já toda lascada pelo uso, ela punha um café forte e borrento, fazia lá umas orações e depois desabava em leituras e profecias que até hoje não aconteceram.
   Ela mandava fechar os olhos. Eu confesso que arregalava os olhos e até chorava de medo e dó da minha tia, coitada! Para obter o que queria, tinha que tomar banho com mil folhas diferentes, jogar dentes de alho pra trás, arrancar asas de borboletas, colocar calcinha usada no mesmo toco em que a coruja piava, virar Santo Antonio no copo d’água, queimar penas de galinha de pescoço pelado, enfim... sacrifício pra lá de sacrificado pra poder conseguir um namorado.
Eu mexia a pazinha em silêncio. Nenhuma palavra soava de ninguém para me trazer à realidade.
Levei a xícara à boca. Estava tão enfeitiçado por aquela magia, que reconheço ter sentido o mesmo cheiro de suor daquele homem agricultor de café, que era o grande amor da minha tia.
Ela ficou realmente pra titia.
Senti no ombro uns tapinhas leves da mesma moça que tinha trazido o café.
-“Moço, moço, por que o senhor está tão triste? 
O senhor está bem?”
-
 Estou ótimo, obrigado! 
- Só estava vivendo a alma que veio com esse café, confessei.

Estimule doação de orgãos e sangue - Doar é vida para ambos
Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 19/02/2008
Reeditado em 19/02/2008
Código do texto: T865909
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