O homem que viu cair a sanita da casa de banho do avião
Musito, assim continua a ser conhecido no meio dos camionistas, é um condutor exemplar que faz milhares de quilómetros semanalmente. Dia sim dia, dia não, vai a uma fábrica do Norte buscar centenas de sanitas para depois as entregar num armazém situado no Sul onde a construção de árvores de cimento consomem tudo aquilo que transporta. Homem conhecedor das «boas e más estradas» sabe onde deve ter cuidado nas manobras e velocidade como ainda onde reduzir a velocidade para que os da «boina branca» não o penalizem ou lhe possam apreender o documento que é a razão de sua subsistência como do sustento de quem dele depende.
È um condutor vaidoso. Sabe o que faz como o que deve «deixar fazer aos menos atenciosos». Do alto da cabine da sua “Scania” vê a estrada em toda a sua plenitude, coisa quem sem sempre é possível para os outros que seguem na sua rectaguarda. Nos espelhos, situados no exterior da cabine, consegue ver e calcular as manobras que os afoitos pretendem fazer para ultrapassarem a sua camioneta quando o não devem fazer. Não é por acaso que entre os colegas de profissão é conhecido como o «mestre da estrada» de tão cuidadoso ser como «obrigar outros a sê-lo».
Quando assiste ao carregamento das sanitas, que vai transportar na longa distância que tem de percorrer, vê com bons olhos-de-ver todos os movimentos de quem faz a colocação do produtos de maneira que não haja algum azar pelo caminho, coisa que sabe ser difícil mas não impossível, para além de assistir à contagem das peças.
Foi numa destas viagens, quando atravessava a longa planície alentejana numa tarde solarenga, onde o cansaço do vaivém teimava em apoquentá-lo determinou e ele próprio que deveria «trazer os olhos bem abertos para que nada acontecesse na viagem, caso contrário, a empregadora, retiraria do local, conhecido por todos, como o «sitio onde esta colocada a placa do melhor motorista». A sua, permaneceu lá muitos meses fazendo com que os colegas o invejassem e acusassem de «engraxador ou de ter uma relação secreta» com quem classificava os camionistas, que por acaso até era uma jovem empresária, de se lhe tirar o chapéu.
Belo dia, sem saber como, ao passar debaixo de uma árvore, daquelas que descansam em plena estrada alentejana, um ramo da dita, inesperadamente «sacou uma sanita” ficando a dita pendurada no mesmo.
A viagem continuou. Apenas seria descoberto o desfalque do desaparecido, quando descarregada a carga no local de chegada, cuja quantidade de peças não davam certo com a porção escarrapachada no papel que servia para comprovar que «na origem saíram determinado número de peças, mas na chegada, uma faltava».
Coisa estranha para o «melhor camionista». Nas bastasse, pela calada, os invejosos ou maldizentes afirmavam que Musito deveria «ter vendido pelo caminho a sanita em falta a algum metediço nos negócios de outrém».
Seja como for, passados alguns dias, foi noticiado que em determinada estrada um grave acidente tinha acontecido. Desta fatalidade, morreu uma pessoa. O suficiente para o semanário da região ter dado um enorme destaque à ocorrência, pelas simples razão, do único sobrevivente, em entrevista prestada ao repórter ter afirmado: «quando circulava descansadamente no meu pequeno automóvel, acompanhado de minha esposa, uma sanita caiu do avião que sobrevoava a zona para vir aos turbilhões, lá do ar, afocinhar em cima do tecto do seu carro, fazendo com que me despistasse contra uma árvore que estava no sítio e na hora errada, causando assim a morte da minha companheira».
As averiguações policiais feitas na altura concluíram que: «por razões não apuradas, uma sanita estava pendurada num ramo de uma árvore, que pendia sobre a estrada, caindo esta em cima do veiculo que no preciso momento circulava por debaixo desta, causando morte da acompanhante do motorista».
Musito como condutor e homem exemplar que queria continuar a ser, depois de ter lido a noticia, apresentou-se voluntariamente na respectiva autoridade responsável pela averiguação para detalhar em pormenor o suposto da razão daquilo que aconteceu. Ninguém acreditou no que disse. Em vez de não dizer a ninguém e ficar com a dúvida, ou certeza, do acontecido para consigo próprio, contou a todos os companheiros a «lógica da coisa». Ao contrário do que pensava, também ninguém acreditou nele como ainda o alcunharem como o «homem que fez cair a sanita do avião».