O dia em que empurramos um táxi
Havia ruídos e todos queriam falar ao mesmo tempo. É o que acontece quando se abre uma casa alegre de praia. Tudo bem, ia ser toda felicidade numa noite radiosa. Ficamos aplastados nas cadeiras esperando a chegada do encanador hipotético. Quando surgiu descendo calmamente do carro, o poeta, que vinha atrás, fez questão de assumir, de maneira categórica a tarefa do canista. Duas doses a mais e começaria uma verdadeira chuva de sugestões chocarreiras para o caso do cano entupido. A lei seca havia chegado à casa da praia antes de nós. Luíz Selistre, poeta, sujeito com alma de passarinho, passou a formular uma noção nova para se beber uísque. Utilizar canudinho para esquecer a ausência de gelo. O uísque deveria ser diluído numa engenhoca infernal que acabara de inventar imaginariamente. Quer dizer que o sábado a noite de mar continha um encanamento enguiçado. De sede não morreríamos.
Os sons retornaram prevalecendo as vozes femininas dispostas ao sol da manhã seguinte para pegar uma cor. Um brinde contribuiu para driblar os problemas.
— Passamos a beber a pinga que passarinho não bebe.
- Azar do passarinho. Conte-nos, poeta, algumas piadas de encanador. Vamos! passavam tipos pela janela, talvez algum desses fosse profissional da área. As listas de perfis que desfilavam incluíam mulheres que não poderiam ser chamadas de belas. Alguém foi em direção á praia.
- Foi aquele ali. Ela apontou para mim para aumentar o “suspense”. Alguém havia cantado aos berros um samba que falava em amor à primeira vista bem no instante em que passava indo para o mar uma moça lindíssima, acompanhada de um rapaz anabolizante. Nem ficava bem chamar o cara de rapaz, ficando melhor chamá-lo de armário grande. O poeta interferiu com metáforas musicais transformando aquela alma da fisicultura num sujeito de sentimentos ocasionais. Juntaram-se a nós e com duas doses de uísque era outro homem sem a presença de alteres e pesos. Acabou na mesa repleta de bebidas como resposta aquela diplomacia de emergência. O autor do samba abordou em sentido contrário.
— Estamos correndo atrás de encanador. O Golias que estudava medicina disse com franco assentimento: conheço um que mora perto. Para gigantes centenas de quilômetros dali era alguns passos. Se bebêssemos demais pelo menos estaríamos sendo socorridos pela ilusão de espaço. Fomos salvos pela zombaria de um samba ocasional e do Itamaraty que mora nos verdadeiros poetas. Resolvemos ir até lá. Tratava-se de emergência. Não havia água nem gelo e o Noronha estava para chegar. Voltaríamos com o Noronha não fosse o táxi enguiçar em plena manhã de mar porque ninguém estava interessado em dirigir naquele estado de coisa. Empurrávamos o táxi a pedido do motorista.
— Vai que um empurrãozinho basta. O motorista conhecia o eufemismo que habitava a palavra “empurrãozinho” por garantia da profissão. Ao retornar sem o encanador, e com o Noronha, pagamos o táxi que nos conferiu um desconto especial, para ser correto. Ficamos amigos de muitos anos do motorista. Lembrou-se até que estava passando um aperto conjugal. O poeta lhe deu um conselho prático:
— Vá conversar com o mar.
Ele agradeceu com a maior naturalidade e se foi sempre em direção ao mar.