A Deus, Paulo...

LADEIRA ABAIXO VINHA descendo ao lado de dois guardas e do carrasco, homem que trazia consigo um machado para cumprir a sen-tença que lhe fora dada horas antes e ainda estava fresca em sua me-mória:

– Seu nome? – perguntou o soldado

– Paulo de Tarso – respondeu com a firmeza que lhe vinha de dentro do mais fundo do seu ser.

Ao seu redor estava o senador e o governador da província, envi-ado para certificar-se de que o Apóstolo sofreria a pena capital. Todos sentados em uma tribuna que só era utilizada em casos especiais. Lá fora se ouvia o alvoroço da turba gritando impropérios e se esgoelan-do para ser ouvida. O procurador se levanta apontando para Paulo:

– Sabes por qual acusação irás ser decapitado ?

– Acusação, já recebi muitas, excelência, mas de nenhuma fugi ao meu direito de defesa. E mesmo esta última, é mais uma entre muitas injustiças que sofro alegremente por amor de meu Mestre.

– Temos informações de que você e outros líderes cristãos se reuniram e planejaram o incêndio de Roma. Um outro de vo-cês, o tal de Pedro, já está recebendo nesse momento o castigo que merece, mas você é um cidadão romano. Como ousa trair assim a nossa mãe única, cidade entre as cidades, a poderosa Roma ?

De súbito Paulo se remete em um lampejo de sua mente para 30 anos atrás, quando chegou a primeira vez em Roma. Cidade imponen-te aos olhos de quem a vê assemelhando-se a uma babilônia de gente, comércios, animais, pratarias e tudo o que pudesse ser vendido, inclu-sive pessoas. Chegou aqui nesta primeira vez para complementar os estudos que iniciara na Universidade de Tarso, sua terra natal, e ficara boquiaberto com a grandiosidade de Roma, pensando que estava no centro do mundo e que muito poderia aprender ali. Agora porém, de volta a realidade, se via como um produto a ser vendido.

– Sou cidadão romano. Mas não comprei ou troquei esse privi-légio, herdei de meu pai, que foi um romano de coração antes de tudo. Mas privilégio maior tenho em ser perdoado e cha-mado por aquele que criou todas as coisas, Cristo o Senhor. E nunca me arrependerei disso. O único fogo que ateei em Ro-ma foi o do Evangelho de Jesus em cada coração e mente que se abriu para me ouvir. Mas isso já falei e ensinei para muitos aqui nessa cidade e em todos os lugares que pude ir. É só comprovar.

Nisto a multidão que tinha se calado para ouvir a Paulo rompeu em uma só voz :

- César é Senhor, César é Senhor !!!

- Vejam senhores – disse o procurador – não temos mais por-que nos demorar em executar esta sentença. Ele mesmo a-firma que César não é o seu senhor e sim esse Cristo, que já morreu e que eles insistem em dizer que está vivo.

- Não só está vivo – interrompe Paulo – como mora aqui den-tro de mim e fará com que rios de águas brotem do meu in-terior, como prova de que sou homem de Deus. Vocês verão isso acontecer.

- A única água que sairá de ti é a das tuas entranhas, quando tua cabeça rolar pelo chão, cristão maldito !! Guardas, guar-das !! levem esse homem daqui !! Executem a sentença co-mo manda a nossa lei.

•••

Todo cidadão romano tinha o direito a uma morte rápida e indo-lor, conforme os preceitos da Pax Romana. Assim, há uns 3 kms da cidade, próxima a Via Óstia, os guardas pararam e empurraram Paulo com toda força que de tão cansado, caiu ao chão.

Não agüentava mais andar, não agüentava mais de ansiedade e não agüentava mais as cordas que o amarravam, já deixando seus pul-sos em carne viva. Olhou para o carrasco. Sua fisionomia era de sar-casmo. Parecia um lobo babando pela presa que está prestes a devorar. Olhou para ele como uma ovelha, um olhar sereno e tranqüilo:

- Posso fazer uma última oração ? – pediu ao seu algoz

- Faça rápido porque não quero me demorar aqui !! – respon-deu o carrasco, já afiando o machado.

Paulo se ajoelhou no toco de uma árvore que ali estava e ergueu seus olhos para o céu. Orava em uma língua estranha, desconhecida. Os soldados se entreolharam, como se perguntassem o que ele estava falando. Será que teria surtado justo agora ?

- Estou pronto. Mas queria dizer-lhes que estou indo para um lugar bem melhor do que este. Já contemplo meu lar celes-tial e meu Senhor de braços abertos me esperando. Isso está disponível para quem quiser. É viver tendo a esperança e certeza para onde se vai ao morrer. Eu tenho isso, e foi o que me sustentou cada dia de minha vida. Vocês não gosta-riam de ter isso ?

Os olhos de Paulo ao dizer essas palavras brilhavam com tal in-tensidade que um dos soldados não podia tirar seus olhos dele. Parecia um anjo, um deus ali na terra e estava prestes a voltar para seu lar.

- Quem é este seu Senhor ? Você está vendo um dos nossos deuses romanos ? – perguntou o soldado interessado.

- Não perca tempo com ele !! Está condenado e quer ganhar tempo. Vamos, ajoelhe-se neste tronco !

O carrasco empurra Paulo para baixo com toda força que se ouve um ruído de ossos se quebrando. Pega um pergaminho que estava con-sigo, abre e começa a ler:

- Paulo de Tarso, você foi condenado a ....

- Meu Senhor é Jesus que está nos céus. Morreu mas ressus-citou e está vivo !! – Paulo começa a gritar bem alto essas palavras

- ...pela Pax Romana a ser decapitado pelo .... – continua o carrasco

- É ele quem dá a salvação e a vida eterna. Que dá paz e a-legria a todos os que desejam

- ....crime de pregar e praticar uma religião....

- Que justifica a todo aquele que crê de coração e que con-fessa com a boca o seu Santo nome

- ...ilícita nos moldes de nosso Direito romano e...

- Esse Jesus foi quem eu preguei durante toda minha vida e de nada me arrependo a não ser do que fiz antes de conhe-cê-lo

- ...tendo o direito de uma morte rápida e eficaz...

- Mas ele me chamou para ser seu apóstolo e isso fui com to-do meu coração, pregando seu evangelho

- ...o que será executado aqui e agora...

- Fazendo sua vontade, sendo seu instrumento para curas e milagres que nossos pais viram.

- ...e testemunhado por soldados da guarda romana.

Nisso o carrasco levanta seu machado, deixando soar o zunir de sua lâmina recém-afiada, e corta o ar desferindo um golpe fatal que acerta seu alvo.

Em meio ao sangue e ao corpo que se debatia, a cabeça do apósto-lo quica no chão e ouve-se uma voz gritando “Glória a Deus !”. Os soldados se entreolham novamente, agora com medo. O que está acon-tecendo ? A cabeça quica a segunda vez e mais uma vez a voz “Glória a Deus !” Suas pernas começam a tremer e os dentes rangerem. No-vamente a cabeça toca o chão e mais um “Glória a Deus !”.

O carrasco e um dos soldados saem correndo de medo, esquecen-do do machado e de quase tudo que tinham levado. O outro soldado se ajoelha e começa a chorar, num misto de medo, temor e quebranta-mento. Quem era esse homem ? O que aconteceu aqui ?

Nisso ele começa a ouvir um barulho de água. Como uma fonte, jorrando. O soldado vira-se e contempla que nos lugares exatos onde a cabeça de Paulo quicara, fontes de água estavam jorrando !! A água começou a molhar seu rosto e seu corpo. Ele se lembrou do que Paulo tinha dito momentos antes.

•••

No céu, trombetas tocam anunciando a chegada do apóstolo. Ele caminha em direção ao trono e ouve uma voz:

- Vinde bendito de meu pai, para o reino que está preparado para ti, antes da fundação do mundo.

FIM

Leandro Silva
Enviado por Leandro Silva em 15/12/2005
Código do texto: T86262