"Uma Mulata Inesquecível" =Crônica de Viagem=

Passei grande parte da viagem dormindo enquanto meu pai dirigia e chegamos à cidade de Lavras, naquele tempo ainda minúscula e pacata ao extremo, bem depois da meia-noite.

Às duas horas da manhã eu ainda me revirava na cama do hotel, sem conseguir dormir, e de repente me vi sem cigarros. Levantei-me, procurei cigarros nos bolsos de meu pai e também não achei nada. Resolvi sair para comprá-los.

Na portaria indaguei onde poderia comprar cigarros àquela hora e fui informado que, caso achasse, seria apenas em um bar na zona boêmia.

Bastante conhecedor do interior de Minas naqueles idos da década de 1970, eu tinha uma idéia bastante precisa de que tipo de zona encontraria em Lavras.

Não deu outra, era mesmo de décima categoria.

O bar fervilhava de gente, o barulho era infernal, a música uma mistura pavorosa de sons, e as mulheres acabadíssimas.

O cara que me atendeu disse que não daria pra vender cigarros com a nota que eu tinha. A despesa teria que ser um pouco maior. Resolvi então tomar uma cerveja e sair o quanto antes daquele ambiente. Não por moralismo, mas com medo de pegar doença venérea simplesmente respirando ali dentro.

Enquanto tomava minha cerveja em grandes goles rápidos, uma mulata feíssima, imensamente peituda e bunduda, com a boca larga, o nariz semelhante a dois túneis unidos e uma gaforinha imensa, chegou ao meu lado acompanhada de um sujeito com cara de conquistador de caricatura.

O tipo era um sarro. Tinha as unhas dos dedos mínimos compridas, usava costeletas, e seu bigode parecia apenas um risco embaixo do nariz. Olhando para ela com ares de conquistador, fazia gestos que procuravam demonstrar sua classe e elegância no trato com o sexo feminino. Ela, por sua vez, caprichava na conversa, escolhia palavras bonitas que nada tinham a ver com o que dizia, e o diálogo estava interessante para mim, que escutava de carona.

A certa altura ela se virou para ele e disse na maior cara-de-pau:

- O Sargentelli já me encheu o saco...Sabe que é a quinta vez que ele me manda convite pra participar do show dele em São Paulo? Já cansei de dizer a ele que de Lavras eu não saio nem morta.

A risada simplesmente explodiu de minha boca. Não consegui segurar o riso e acabei molhando o casal com a cerveja que espirrei pra todo lado.

“Mulata do Sargentelli!!!” . Aquilo foi demais para meus pobres ouvidos! Mulata do Sargentelli aquele pobre e acabado bagulho, com as tetas caindo na barriga e a barriga caindo no meio das pernas!? Quem chegou a ver pelo menos fotos das maravilhosas mulatas do Sargentelli, escolhidas rigorosamente – e creio que não bem a dedo- pode imaginar o motivo de minha hilaridade.

Coitada da mulher...Eu não queria humilhá-la, mas não tive jeito de consertar a coisa. Estava mais do que na cara que era dela que eu ria e, pra completar, eu não conseguia parar de rir e tossir, duas coisas que se tornam uma tragédia quando juntas.

O Don Juan dela quis engrossar, tirar satisfação, saber o que estava acontecendo, mas eu não conseguia falar. Aí ele ficou bravo mesmo e pegou-me pela lapela de meu casaco de couro preto. Aí quem ficou bravo fui eu. Encarei-o e disse baixinho que me soltasse para não morrer.

Ela cochichou alguma coisa no ouvido dele e logo fui liberado. Saí dali sem brigas, sem discussões, sem bater ou apanhar. Mas rindo ainda até chegar ao hotel e todas as vezes que me lembrava da “mulata do Sargentelli”. (Em comparação: seria o mesmo que me convidarem a ser “dublê de corpo” do Schwazzeneger).

De vez em quando havia vantagem em viajarmos com uma “Veraneio” azul claro e usarmos casacos de couro. Pensavam sempre que éramos policiais em um tempo em que matar policiais ainda não havia se tornado esporte de bandido.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 16/02/2008
Reeditado em 16/02/2008
Código do texto: T862461
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