Crônica de uma sexta-feira quase comum
de Edson Gonçalves Ferreira
para Cel. Faria e Sônia Terra
Levanto e vejo um solão lá fora. Dia quente pra burro. É preciso ter uma força hercúlea para encarar o dia. Na rua, cedinho, já passou um caminhão anunciando abacaxi, depois um anunciando gáis. Sim, é gais mesmo, porque gás é pronúncia pra rico que num sobe em caminhão para vendê gais. E “oiá o gais, gente, oiá”! Já perceberam que estou assim, como garrafa d´água entornando. Pudera!... E sexta-feira, ai!
A gente liga a televisão e só dá abobrinha. Tem programa que só fala sobre celebridades. Quanta besteira!... Celebridade se fosse celebridade não estaria na televisão, porque celebridade não quer sua vida esculhambada por esse veículo popular. Onde estão as princesas d´outrora que, quando se deitavam numa cama, se houvesse um grão de arroz, não dormiam de tão finas que eram. E os príncipes que achávamos que eram encantados? Pergunto, porque, agora, todo mundo acha que é príncipe e princesa e vive levando até tapas na cara. Dormem em qualquer lugar e não sentem a diferença!
Minha crônica é mesmo amalucada, mas é sexta-feira. Lembro-me da música “Rancho da Goiaba” com Elis cantando. Esta terra tem muito boteco e muito bar. Não entro em bar e nem em boteco. Sou metido à besta. Gosto é de restaurante e fino. Beber, eu não bebo muito. A não ser que seja chá. Aí, entorno. Gosto também de vinho tinto, doce, mas não melado. Bêbado sou desde que nasci, por causa da poesia. Existe algum poeta que não seja doido. Tem que ser doido pra sacar que existem muitas leituras de mundo. Como eu dizia, celebridade tem que ser celebridade e não descer do salto. Poeta não desce. Não foi à toa que Quintana disse que ele continuaria passarinho. Não urubu. Esse povo que ocupa páginas na mídia, de repente, de ave canora vira urubu e desaparece.
Sexta-feira é dia dos bares encherem de gente que busca na branquinha uma forma de escapar da rotina. Rotina mata, não mata, gente? Tem coisa pior que ouvir gente que fala repetindo as mesmas histórias o tempo todo. Não agüento! Não dou conta de ser santo, porque ser bonzinho é chato demais. Sou critico, tão crítico que me acho medonho. Escrevo para exorcizar os meus demônios e, aí, de vez em quando, um anjo generoso aparece atrás de mim. Daí, às vezes, surgem rasgos de luz na minha vida e no meu texto. Não sou eu, é Deus falando através de mim que, na verdade, sou apenas um instrumento como você para a grande ação dele.
Amanhã, será sábado, depois domingo, depois segunda, tudo parece que se repetirá novamente. Parece, não parece? Não se repete nunca. Eu não sou o que eu era antes. Quando amanhece, nossa cama está cheia de peles velhas que caíram do nosso corpo. Somos mutantes, por esse motivo, quero mudar sempre meu modo de pensar. Todo dia é eterna novidade. O perigo é a gente ler as coisas por cima. Temos que entrar no texto e no contexto. Isso a gente tira de letra, porque saímos do útero e vivemos entrando e saindo de tudo é quanto lugar enquanto a hora não chega de voltar para o útero da terra. Não sei se você me entende, leitor(a), mas é sexta-feira e, como poeta, amanheci mais bêbado que o normal, porque sexta-feira, pra mim, é o dia internacional da gandaia. Afinal, mesmo sendo poeta, mereço descanso, não mereço?
Divinópolis, 15.02.08