Vira-latas, cães inteligentes

            No meu site hospedo duas ou três crônicas que escrevi sobre o cão vira-lata. Até fui criticado por havê-las rabiscado uma depois da outra..
            Disseram, entre outras coisas, que eu perdera um tempão enorme falando de cachorros; e de cachorros sem pedigree, uma acintosa alusão aos nossos humildes cães peduros.
             Acharam que, mais do que os bichos, muita gente anda por aí necessitando de uma palavrinha de quem tem acesso fácil ao grande público; os internautas, por exemplo.
            A todos eu respondi com a conhecida frase de Belmiro Braga e que não me canso de repeti-la: - "Se entre os amigos encontrei cachorros,/ Entre os cachorros encontrei-te, amigo."
            Pouco me importa que me chamem de "cronista dos vira-latas".  E ainda esclareço, que não sou devoto  nem de São Roque nem de São Lázaro.
           Não tenho nada contra os cães de raça. Até os admiro muito. Mas, ao contrário do que sucede com a maioria dos vira-latas, deles tem sempre quem tome conta; e com extrema dedicação. 
           Vá o leitor a uma clínica de caninos e, só por acaso, encontrará uma vira-lata nos braços de um veterinário.
            No entanto, ninguém é mais fiel e agradecido ao seu dono do que os vira-latas. Em uma esquina da Pituba, dois desses modestos cães acompanham, dia e noite, um casal de mendigos.
            Tentem tocar, ainda que de leve, nos dois pedintes, que fazem da esquina sua "pousada", e serão prontamente abocanhados pelos dois rafeiros. è a fidelidade canina.
            E o mais comovente: fidelidade a quem nada lhes tem a oferecer, senão carinho.

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            Na literatura, o cachorrinho sem pedigree é muito lembrado. Dou dois exemplos. José de Alencar, em Iracema, põe um cão peduro - um vira-lata? - sobre a frágil jangadinha que leva Martim Soares Moreno, o terno amor da índia cearense, "mar em fora".
            Câmara Cascudo, que em Coisas que o povo diz  escreveu "Sua Excelência, o Cachorro", adverte que "um cão desconhecido que nos acompanha na rua é sinal de felicidade".
            E cão desconhecido perambulando em plena via pública só pode ser um vira-lata.  Quando um cão de raça é surpreendido vadiando pelas ruas da cidade? Nunca.

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             Por que, então, volto a escrever sobre nossos vira-latas? Nem que eu fosse um sujeito apaixonado por cachorros, o que não sou. Em algum lugar, disse por quê.
            Gosto mesmo é de passarins. Com eles convivo - diria um cronista romântico - desde a mais tenra idade...
            Mas numa dessas madrugadas de infeliz insônia, navegando na internet, deparei-me com uma notícia que dizia o seguinte:  os "vira-latas são mais inteligentes que os cães com pedigree". Claro que vibrei, quebrando o silêncio das três da madruga.
           A constatação é da Universidade de Aberdeen e Napier, na Escócia. Depois de criteriosa pesquisa, onde se apurou o nível de inteligência de 80 cachorros, " a média entre os vira-latas foi de 20 pontos, contra 18 dos cães de raça pura". Sensacional!
            Apenas numa coisa discordei do mestre David Smith, o cientista que liderou o estudo:ele sugere, a partir das pequisas realizadas, que "a polícia deveria treinar cães vira-latas e não confiar apenas nos pastores alemães de raça pura".
            Ó Deus!  mantenha-se os vira-latas longe dos cacetetes e das carabinas, algumas assassinas. Eles não nasceram para agredir ninguém. São cães pacíficos; bons companheiros.  Limitam-se, quando molestados, a se defenderem.
            Ao invés de agredir as pessoas, são seus defensores; até quando dessas pessoas  não recebem tratamento digno, leal, legal. Estou mentindo?
         

 

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 14/02/2008
Reeditado em 14/02/2009
Código do texto: T859756