A Metáfora da Mala
Desci do ônibus com a minha malinha e saí caminhando no meio de todo aquele movimento do dia começando. Andei bem abraçada com ela e a bolsa e o casaco, me protegendo do frio, do movimento e do dia. Todos os carros do mundo passando e eu pensando o que será que eles pensam de mim e da minha malinha. Será que eles conseguem distinguir uma da outra? Será que eles entendem a diferença? Será que eles entendem que é ela quem está sempre pronta para partir e não eu?
A minha mala está cheia de coisas necessárias e confusas. Quando eu a arrumo, parece leve. Quando desço do ônibus, ela está pesada. Difícil de carregar. É o mesmo volume. São as mesmas coisas necessárias e confusas. Ela continua pronta para partir. Mas o peso é bem diferente.
Eu desarrumo tudo. Sempre. Nada se mantém organizado ao meu redor ou dentro da minha mala. Onde eu e a minha mala chegamos, o caos se instala. Somos pesadas, nós duas. E cheias. E confusas. Estamos sempre prontas para partir.
Mas não queremos, e isso é o que nos faz mala. Isso é o que nos torna confundíveis e incarregáveis. Isso é o que faz da nossa vida um inferno! Ter que viver prontas para partir, sem nem saber para onde, nem quando, nem como. Só sabemos que partiremos. Nós e nossas coisas necessárias e confusas, das quais não conseguimos nos desvencilhar. Por mais que pesem. Por mais que incomodem todo mundo. Por mais que atravanquem os caminhos. É um tal de jogar o necessário lá dentro pra caso a hora chegue de repente, e fica tudo assim confuso, tudo o que quero levar comigo, tudo o que não quero perder nem esquecer, tudo o que não quero nunca, jamais, sob hipótese alguma deixar para trás. A mala sabe, mas eu não entendo. Por isso ando agarrada nela. Por isso abraço-a bem forte contra o vento. Por isso nos confundem pela rua. Eu não posso partir sem levá-la comigo.
Não posso.