Depois do jantar
Ao Fião e à Dama
Depois do jantar, sempre depois do jantar, subia no banquinho, fechava um olho, abria bem o outro, encostava-o na parede da sala: - Quando sai esse casamento?
O sogro não prolongava seu discurso porque, depois de auxiliar a mãe na cozinha, a filha conduzia o noivo invariavelmente para a varanda onde conversavam sobre assuntos banais ou de trabalho.
Depois da casa da noiva, perdia-se em sonhos. Trabalhava em dois empregos, estudava à noite, economizava cada centavo, investia para que o capital aumentasse e proporcionasse-lhe a casa sonhada. A casa. Depois dela, tudo seria mais fácil. Ele sonhava em reunir centenas de convidados em um radiante jantar dançante e, principalmente, receber bons presentes de cada um dos trinta e cinco padrinhos a serem convidados por cada noivo.
O jeito bonachão e tranqüilo não permitia brigas, de modo que, nas noites de sábado, domingo e feriado, esperava pela abordagem do sogro que, depois do jantar, sempre depois do jantar, subia no banquinho, fechava um olho, abria bem o outro: - Quando casas?
Diante dele a noiva manifestava contrariedade pelas cobranças excessivas do pai, mas ao velho agradecia sinceramente. Afinal, queria casar.
A mãe pressentiu a angústia da filha. Enquanto preparava a cama, retirando enfeites e almofadas de cima do colchão, trocando os lençóis e colocando novas fronhas nos travesseiros, pediu providências práticas ao marido que, depois de consultar alguns parentes interessados em livrá-lo da filha, decidiu construir uma casa: presente de casamento dele, da esposa e do filhinho.
Depois do jantar, sempre depois do jantar, o velho agitou a escritura do terreno na mão esquerda enquanto, com a mão direta, tentava abrir uma lata de cerveja argentina.
Enquanto degustava a bebida, vigiado pelo genro, observado pela filha e pela esposa, o sogro – não a filha ou o genro – arquitetava planos de como construiria o sobrado. Quartos, cozinha, sala, jardim e garagem. Uma churrasqueira nos fins de semana em que visitasse a filha. Talvez uma piscina. Quem sabe?
Para não perder o hábito, antes de a filha arrastar o noivo para a varanda, o sogro encostou-o na parede depois de subir no banquinho, fechar um olho, abrir bem o outro: - E agora? Casas ou não casas, coringão?
Caminhões paravam em frente ao terreno transportando tijolos, cimento, areia, brita, ferramentas, equipamentos. De posse da planta, o sogro apontou as diretrizes para Vitório, amigo e pedreiro experiente, que não sabia viver sem a cachaça “Volúpia”.
Depois de uma das visitas matutinas às obras, uma vizinha do empreendimento chamou o sogro e disse-lhe que Vitório bebia o dia todo e todo dia. Um auxiliar da construção alertou das copadas do pedreiro.
O sogro não acreditava nas afirmações da vizinha e do auxiliar. Duas semanas depois, entrou em casa coberto de poeira.
Da sala, mudando os canais pelo controle remoto da TV, o genro disfarçava a vontade de ouvir a aparente descompostura da sogra ao velho.
O sogro pareceu preocupado durante o jantar que transcorreu silenciosamente. Finda a refeição, o genro esperava a tradicional abordagem.
Depois do jantar, o sogro levou o genro e a filha à varanda. Explicou que os boatos da bebedeira de Vitório eram verdadeiros. O sobrado, cujo teto fora fixado naquela tarde, desabara completamente.
Depois do jantar, ajoelhou-se aos pés do sogro, fechou um olho, abriu bem o outro, colocou a mão no queixo, friccionando um cavanhaque imaginário: - Quem casa quer casa. E agora, coringão?
Levantou-se. Riu estridentemente. Parou no primeiro bar. Pagou “Volúpia” para todos. Depois de ouvir a notícia, a mãe dele colocou o telefone no gancho e saiu pela casa aos pulos de alegria.
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis-SP) de 15 de novembro de 2007.