Um dia que nasceu
Hoje o dia nasceu, não ficou morto atrás das nuvens, das pessoas que partiram ou das que estão ao nosso lado e não decidiram viver ainda. Hoje o dia nasceu e não trouxe nada de extraordinário. Apenas lembranças antigas, rostos que antes significavam histórias e que hoje são apenas rostos. Estranho esse aconchego que dias assim trazem, um sono exagerado, uma preguiça infindável e um cheiro de algo que nos abandona.
Ouvi uma música em que diz que é muito mais difícil dizer adeus quando não temos mais nada a dizer. Tenho que discordar. Melhor assim, por que depois do adeus podemos simplesmente olhar para aquele rosto que agora é apenas mais um rosto e sentir algo de novo, algo incerto, algo fugaz. O dia de hoje trouxe um adeus onde não se tinha mais nada a dizer. Levou embora uma história de um rosto e com ela dezenas de feridas que estavam abertas e insistiam em doer. O dia de hoje me trouxe algo de muito ordinário, a calma de um dia em que não se tem nada a fazer, há não ser viver. Calma que há muito não sentia, que há muito tentava não sentir, que a muito me fugia, como eu fugia dela, e que sem perceber a encontrei num meio fio de uma rua qualquer. A calma estava lá, esperando para me dizer olá, junto com o rosto que esperava para me dizer adeus.
Hoje me sinto uma tonelada mais leve. Uma tonelada de linhas por escrever me abandonou, uma tonelada de lágrimas que eu deveria chorar, mas que nunca choraria me abandonou. Uma tonelada de histórias tristes com personagens soturnos me abandonou, me disseram adeus porque não tinha mais nada a dizer. Estou uma tonelada mais leve. Tudo isso num dia que agora diz adeus por que já disse que tudo que tinha para dizer.